A Reforma da Previdência apresentada pelo governo implica em necessidade do trabalhador exercer suas atividades laborais por muito mais tempo para conseguir a desejada aposentadoria.
Sob a alegação de um suposto deficit do INSS faremos os trabalhadores terem que laborar até idades avançadas.
Várias entidades contestam os números apresentados pelo governo sobre o déficit previdenciário, inclusive a ANFIP (Associação Nacional dos Auditores Fiscais da Receita Federal do Brasil) e inúmeros especialistas em Direito Previdenciário, que garantem que o déficit não existe.
Isto nos leva a questionar a necessidade de uma reforma previdenciária, principalmente neste momento tão conturbado política, econômica e socialmente.
Se existe déficit, por que o governo não solicita uma auditoria externa e independente para comprovação?
Por que não se abre a caixa preta da Previdência Social?
Não sou especialista no tema, mas a prática diária da perícia e da medicina (baseada em evidências) me faz duvidar de tudo o que não é comprovado objetivamente.
Além deste aspecto, há outras reflexões necessárias, agora sim, do ponto de vista médico ocupacional: como manteremos estes trabalhadores no mercado de trabalho em condições de exercerem suas atividades até idades avançadas?
Sabemos que com a idade nosso organismo, envelhecido, não possui a mesma capacidade e integridade de nossos vinte e poucos anos.
Claro que existem pessoas que conseguem exercer seu trabalho até o leito de morte, mas o que hoje trata-se de uma escolha, tornar-se-á uma obrigação.
Qual o sentido da aposentadoria e da proteção social proporcionada por ela?
Esta reflexão deve ser feita principalmente quando estamos tratando de trabalhos braçais e penosos.
Qual será a consequência desta postergação da aposentadoria a saúde do trabalhador? Qual será o comportamento deste corpo envelhecido aos riscos ocupacionais?
As próprias empresas estão preparadas para absorverem esta mão-de-obra?
Como poderemos prevenir doenças ocupacionais em trabalhadores que terão que se manter no mercado de trabalho a qualquer custo para conseguirem se aposentar, inclusive em atividades sabidamente nocivas a sua saúde e integridade física?
Pensemos no caso de um indivíduo que trabalha com movimentação de carga, ele terá condições de exercer esta atividade até os 70 anos ou mais? As alterações degenerativas próprias da coluna vertebral, com o passar dos anos, poderão ser agravadas?
As doenças crônico-degenerativas e até mesmo aquelas próprias da idade avançada, se tornarão muito comuns no meio ambiente de trabalho.
Em razão disto, da necessidade de trabalhar e da falta de preparo para absorver esta mão-de-obra, o risco de agravamento destas doenças por condições ocupacionais sofrerá um aumento exponencial, inclusive devido a uma maior vulnerabilidade orgânica.
Com certeza haverá um incremento considerável de Auxílios-Doença e Aposentadorias por Invalidez, que irão acabar substituindo a aposentadoria, que nas regras atuais, ocorreria mais precocemente.
E isto não é um problema apenas do trabalhador, mas também das empresas.
Caso esse trabalhador, mais vulnerável, tenha uma doença agravada pelo trabalho, haverá o reconhecimento de um acidente de trabalho, uma vez que nossa legislação contempla no conceito de acidente do trabalho a doença agravada pelo exercício do labor.
Sabemos que a relação entre trabalhadores e INSS reflete diretamente nas empresas, acarretando em conflitos trabalhistas que acabam na Justiça do Trabalho.
Alguém está pensando nisso?
Numa primeira análise superficial sobre o tema parece que a Reforma da Previdência acarretará em prejuízo apenas ao trabalhador, todavia estou certo que haverá num futuro próximo repercussões aos empresários.
Isto interessa ao trabalhador? Isto interessa ao empregador?
Para mim está claro que o único interesse que está sendo levado em consideração é o do Estado.
Estamos falando de um Direito Social garantido na Constituição Federal em seu artigo 7 inciso XXIV que não pode ser alterado com base em premissas falsas e sem uma ampla reflexão de suas consequências.
Infelizmente as questões de saúde relacionadas a Reforma da Previdência Social me parece fora do debate.
“Nunca tenha certeza de nada, porque a sabedoria começa com a dúvida.”
Sigmund Freud
Autor (a): Dr. João Baptista Opitz Neto – Médico do Trabalho; Especialista em Ergonomia; Especialista em Medicina Legal e Perícias Médicas. Mestrando em Bioética pela UMSA / Argentina. Perito Judicial / Assistente Técnico nas áreas trabalhista e previdenciária. Autor do livro “Perícia Médica no Direito” (Editora Rideel).
O Dr. João Baptista Opitz Neto escreve mensalmente para o SaudeOcupacional.org, na “Coluna do Opitz”.