Diariamente, são instauradas sindicâncias nos Conselhos Regionais de Medicina (CRM’s) para apuração de suposta infração médica. Diversas causas são apontadas pelo vertiginoso acréscimo de denúncia em face dos médicos, entre elas estão o aumento da consciência de cidadania por parte da população, a judicialização da saúde, o crescente número de médicos em decorrência da abertura indiscriminada de faculdades de Medicina, além da precária formação acadêmica dos profissionais que ingressam no mercado de trabalho.
As denúncias chegam aos CRM’s de várias maneiras:
- por meio do próprio paciente ou algum familiar dele;
- por meio da Comissão de Ética Médica do hospital – todos devem ter CEM – ou do diretor clínico;
- por meio de delegados de polícia, juízes ou promotores;
- por iniciativa do próprio Conselho Regional de Medicina, chamada de ex-officio, sobre denúncias veiculadas nos meios de comunicação.
Segundo o Conselho Regional de Medicina do Estado de São Paulo (CREMESP), as denúncias cresceram cerca de 150% em 11 anos (1995 a 2005), totalizando 3.660 denúncias em 2005. Trata-se de um crescimento real, pois supera o crescimento do número de médicos registrados neste Conselho (52%).
Dentre os principais temas envolvidos destacam-se negligência, imperícia ou imprudência (60,3%); relação médico-paciente (9,5%); relação entre médicos (5,7%); publicidade médica (4,7%); exercício ilegal ou acumpliciamento (4,2%), dentre outros.
A sindicância é um processo sigiloso no qual o Conselho profissional visa apurar os fatos denunciados, sendo de suma importância a manifestação escrita do profissional. Esta manifestação não constitui defesa prévia, que somente ocorrerá caso venha a ser instaurado processo ético-profissional (PEP).
Os fatos apurados serão analisados pelo Conselheiro Sindicante que irá proferir um parecer conclusivo fundamentado e o voto. Este parecer é encaminhado para a Câmara do Tribunal Regional de Ética Médica para leitura do relatório pelo Conselheiro Sindicante. Posteriormente, os demais Conselheiros têm franqueada a palavra inicialmente para esclarecimentos e após para manifestações quanto ao mérito. Tomam-se os votos neste órgão colegiado e delibera-se pela instalação ou não pelo PEP.
Assim sendo, fica a pergunta: é necessária para manifestação escrita do médico a assistência de um advogado? A resposta é NÃO, embora seja RECOMENDÁVEL, sobretudo se este possui expertise acerca do assunto. Por quê? Neste momento, embora não constitua defesa prévia, é o MELHOR momento para o médico esclarecer todos os pontos controvertidos da denúncia, com intuito de ceifá-la de plano e não ser instaurado o PEP.
Embora nesta fase não se tenha uma relação processual triangular do PEP (formada pelo Conselho julgador, médico denunciado e denunciante), e tampouco possa se dizer que o médico é “réu” ou que está “contestando pedido do autor”, vale, por analogia, o brocardo da resposta à denúncia estampada no artigo 336 de nosso novo Código Civil:
Art. 336.
“Incumbe ao réu alegar, na contestação, toda a matéria de defesa, expondo as razões de fato e de direito com que impugna o pedido do autor e especificando as provas que pretende produzir.”
As estatísticas dos casos que evoluem para o PEP demonstram que a Medicina do Trabalho é a 10º especialidade mais processada (Tabela 1).
Especialidade | Médicos processados (nº) | Médicos processados (%) | Médicos condenados | % de médicos condenados (para 100 processos na especialidade) |
Ginecologia e Obstetrícia | 711 | 14,8 | 182 | 25,6 |
Clínica Médica | 332 | 6,9 | 80 | 24,1 |
Ortopedia e Traumatologia | 274 | 5,7 | 57 | 20,8 |
Medicina do Trabalho | 128 | 2,7 | 19 | 14,8 |
Tabela 1 – Total de médicos processados e condenados por especialidade e percentuais, entre 1995 e 2003 (fonte: Distribuição dos processos disciplinares pelo CREMESP – Conselho Regional de Medicina do Estado de São Paulo e seus resultados nas diversas especialidades médicas, Centro Universitário São Camilo – 2007;1(2):56-62)
Algumas hipóteses podem explicar o maior número de processos e condenações referentes a determinadas especialidades (2):
1 – a especialidade conta com maior número de médicos: neste caso, o número total de processos e condenações pode refletir apenas a maior quantidade de médicos desta especialidade;
2 – os profissionais de determinadas áreas médicas atuam em atividades de maior risco para o paciente: ginecologistas e obstetras, por exemplo, são especialistas questão entre aqueles que se deparam com dilemas éticos mais freqüentemente do que outros (reprodução humana, métodos contraceptivos, reposição hormonal) e executam procedimentos de risco para eventuais complicações como a assistência ao parto e cirurgias;
3 – determinadas áreas concentram profissionais em situação de trabalho inadequada: local impróprio para a atividade, número excessivo de pacientes, jornada de trabalho demasiadamente longa, falta de equipamentos e instrumentos, equipe médica incompleta;
4 – o médico exerce atividades administrativas em serviços de saúde, o que o torna responsável por hospitais e clínicas, facilitando o litígio com colegas.
Esta última situação é frequente e mais abrangente na Medicina do Trabalho, pois o médico do trabalho coordena PCMSO de empresas; depara-se com conflitos de interesses envolvidos entre empregador e empregado; toma condutas que (embora adotando postura ética e imparcial) poderão produzir efeitos materiais pecuniários trabalhistas e previdenciários para empresas e trabalhadores.
Fonte:
- https://www.cremesp.org.br/?siteAcao=Jornal&id=765 – Acessado em 22/12/2016.
- Distribuição dos processos disciplinares pelo CREMESP – Conselho Regional de Medicina do Estado de São Paulo e seus resultados nas diversas especialidades médicas, Centro Universitário São Camilo – 2007;1(2):56-62
- Taragin MI, Sonnenberg FA, Karns ME, Trout R, Shapiro S, Carson JL. Does physician performance explain interspecialty differences in malpractice claim rates? Med Care 1994 Jul, 32(7): 661-7
Autor (a): Rodrigo Tadeu de Puy e Souza – Médico. Advogado. Pós-Graduado em Medicina do Trabalho. Mestre pela Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG). E-mail:rodrigodepuy@yahoo.com. Site: www.pimentaportoecoelho.com.br
O doutor Rodrigo Tadeu de Puy e Souza escreve mensalmente para o SaudeOcupacional.org, na “Coluna do Puy”.