Apesar de um tema polêmico, entendo ser pertinente levantar aqui esta discussão sobre algo que sempre me intrigou muito.
Preliminarmente, devo esclarecer que vislumbro no debate de idéias e a exposição de pontos de vista divergentes uma eficaz maneira de instigarmos-nos a pensar e evoluir profissionalmente e pessoalmente.
Partindo desta premissa, trago aqui algo que sempre me causou muita inquietude e angustia, a previsão legal em nosso ordenamento jurídico para o pagamento do adicional de insalubridade.
Trata-se de um valor pago ao trabalhador pelo fato do mesmo estar exposto a agentes nocivos a sua saúde em seu ambiente de trabalho.
A empresa expõe o trabalhador a algo que sabidamente faz mal à saúde e paga ao trabalhador um valor mensal em razão de tal exposição.
Ou seja, é como se o trabalhador estivesse vendendo para o seu empregador a sua saúde, em suaves prestações de 10, 20 ou 40% do salário mínimo.
Sempre me deparei com este questionamento em minhas reflexões, tecnicamente faz sentido o pagamento do adicional de insalubridade?
Não deveríamos lutar, como sociedade, para que os ambientes de trabalho fossem salubres em sua totalidade?
Alguns podem argumentar que é impossível não existir riscos ocupacionais em algumas atividades, o que entendo ser verdade, mas é possível prever, controlar, eliminar ou neutralizar.
O que não posso concordar é que considerarmos normal alguém vender a sua saúde.
Com certeza se alguém oferecesse seu rim a venda, a sociedade como um todo se mobilizaria para discutir a questão. Mas não é isso que um trabalhador exposto a chumbo, por exemplo, está fazendo quando recebe seu adicional de insalubridade?
Este adicional tem seu propósito tão distorcido que vemos em nossa pratica diária trabalhadores que questionam o setor de Recursos Humanos das empresas ou o SESMT o motivo pelo qual ele não recebe mais o adicional, que antes era devido, mas agora diante de melhorias implementadas no meio ambiente de trabalho não deve mais ser pago, considerando o estabelecido na NR-15 da Portaria 3214/78.
Até entendo o posicionamento do trabalhador, que se depara com menos dinheiro no final do mês em razão da cessação do pagamento do adicional de insalubridade, mas por estas atitudes podemos observar o que este adicional se tornou.
O normal seria o trabalhador ficar aliviado pelo fato da empresa não estar mais expondo-o a algum agente insalubre, mas não é isso que observamos na prática.
Não posso admitir que em pleno século XXI a legislação preveja situações onde a exposição do trabalhador a um agente cancerígeno, por exemplo, seja considerada normal e aceitável.
O absurdo deste adicional é tanto que a CLT traz a seguinte redação em seu artigo 194:
Art.194 – O direito do empregado ao adicional de insalubridade ou de periculosidade cessará com a eliminação do risco à sua saúde ou integridade física, nos termos desta Seção e das normas expedidas pelo Ministério do Trabalho.
A redação deste artigo da CLT está admitindo que é possível exercer atividades laborativas com exposição a risco a saúde e integridade física do trabalhador, uma vez que prevê a cessação do pagamento com a eliminação do risco.
A própria NR-15 da Portaria 3214/78 traz dispositivo semelhante:
15.4 – A eliminação ou neutralização da insalubridade determinará a cessação do pagamento do adicional respectivo.
Com isto, algumas empresas podem chegar a conclusão que é mais barato pagar o adicional de insalubridade e não investir em saúde e segurança no trabalho, apesar do risco de demandas judiciais futuras seja na área trabalhista ou previdenciária.
Ora, quem está autorizando isto é o próprio legislador!
Exponha seu trabalhador a ruído, não forneça protetores auriculares e pague o adicional de insalubridade.
Esta é a mensagem que queremos passar para o empresariado?
Em que pese a possibilidade de indenizações futuras em razão de doenças ocupacionais, tenho certeza que já passou pela cabeça de muitas empresas esta afirmação.
Outro fato que reforça esta mensagem é a insegurança jurídica em relação a discussão judicial do adicional de insalubridade.
Critérios técnicos subjetivos para a definição de quem faz jus ao adicional e divergências jurisprudenciais fazem com que empresas que investem em saúde e segurança sejam condenadas ao pagamento do referido adicional.
Para que investir em saúde e segurança no trabalho se judicialmente isto tudo pode ser desconsiderado e a empresa ser condenada ao pagamento?
Melhor não investir nada e pagar o adicional?
Como disse anteriormente, são questões que me causam angustia.
Mas qual a sua proposta? , alguns podem questionar.
Entendo que precisamos pensar em um modelo que privilegie e incentive o investimento em Saúde e Segurança no Trabalho com o objetivo de não expor os trabalhadores a riscos ocupacionais e, sendo impossível em razão do tipo de trabalho exercido, que as empresas sejam cobradas para eliminar ou neutralizar o risco, sem a possibilidade na legislação de a empresa nada fazer e apenas comprar a saúde do trabalhador em suaves prestações através do adicional de insalubridade.
Não verificamos na concessão do adicional de insalubridade uma ferramenta de melhoria das condições de trabalho, o que me faz ter a certeza de que o modelo atual está defasado e é ineficiente, necessitando de mudanças!
Não, Tempo, não zombarás de minhas mudanças!
As pirâmides que novamente construíste
Não me parecem novas, nem estranhas;
Apenas as mesmas com novas vestimentas
William Shakespeare
Autor (a): Dr. João Baptista Opitz Neto – Médico do Trabalho; Especialista em Ergonomia; Especialista em Medicina Legal e Perícias Médicas. Mestrando em Bioética pela UMSA / Argentina. Perito Judicial / Assistente Técnico nas áreas trabalhista e previdenciária. Autor do livro “Perícia Médica no Direito” (Editora Rideel).
O Dr. João Baptista Opitz Neto escreve mensalmente para o SaudeOcupacional.org, na “Coluna do Opitz”.