Não é incomum verificarmos em nossa pratica profissional laudos periciais que concluem por fatos que sequer estavam em discussão nos autos ou que não são controversos.
Por definição, a perícia médica, como prova técnica que é, deve esclarecer ao magistrado e aos operadores do direito à matéria medica controversa em discussão na lide.
Esta é a função principal da perícia médica, traduzir a leigos na matéria médica aquele fato médico que possua repercussão jurídica.
Portanto, a primeira medida para que a prova pericial seja efetiva é a delimitação do fato técnico controverso, ou seja, estabelecimento do objeto da perícia.
Inclusive existindo no próprio código processual dispositivo claro indicando a necessidade do objeto da pericia ser muito bem definido:
Art. 473. O laudo pericial deverá conter:
I – a exposição do objeto da perícia;
Sem este objeto muito bem definido, estaremos acreditando no discernimento do perito judicial na identificação do que está sendo discutido no processo, o que, a nosso ver, pode acarretar em Laudos Periciais ineficazes.
Na Justiça do Trabalho, geralmente, a realização de pericia medica é para a verificação da existência de doença ou não, existência de nexo causal/concausal ou não e a existência de incapacidade laborativa ou não.
A esmagadora maioria das perícias médicas serão determinadas para esclarecimento desta tríade, doença / nexo / capacidade laborativa.
Mas será que em todos os processos estas três situações são controversas?
Será que toda ação na Justiça do Trabalho versa sobre estas três questões?
A nossa prática diária nos ensina que não.
Em inúmeros casos a ocorrência da doença ou lesão não é fato controverso, uma vez que a Reclamada confirma a sua existência.
O Reclamante alega que sofreu um acidente de trabalho típico e a empresa confirma a ocorrência do acidente de trabalho típico. A existência ou não do acidente vai ser objeto da pericia médica?
Nestes casos pôde-se discutir as circunstancia em que ocorreu o acidente, suas consequências para o trabalhador, o respeito as normas de saúde e segurança, mas não está em discussão a ocorrência do acidente em sí!
Diferente de um caso onde uma parte afirma pela ocorrência do acidente e a outra nega a sua existência.
Temos diversos outros exemplos de casos onde a tríade acima citada não será em sua integralidade esclarecida por não ser matéria controversa.
O mais emblemático, para mim, são as ações onde está se discutindo a existência de capacidade laborativa no momento da demissão.
Não é incomum ações que versam sobre a existência de incapacidade laborativa no momento do desligamento do trabalhador da empresa, inclusive por doenças extra-ocupacionais, onde é determinada a realização de pericia medica para o esclarecimento deste fato: o trabalhador estava ou não capaz ao trabalho no momento da demissão?
Diante desta questão medica controverso o magistrado determina a realização de pericia médica.
E para nossa surpresa e indignação, ante a ausência de delimitação do objeto da pericia, o perito judicial conclui pela existência ou não do nexo causal.
Mas em algum momento está sendo discutido nos Autos o nexo causa? NÃO!
Entendo que não cabe ao Expert, auxiliar da Justiça, ampliar ou reduzir o objeto da pericia médica, mas apenas esclarecer o que está lhe sendo questionado.
Neste sentido, o CPC no parágrafo segundo do artigo 473 nos ensina:
Artigo 473.
§ 2o É vedado ao perito ultrapassar os limites de sua designação, bem como emitir opiniões pessoais que excedam o exame técnico ou científico do objeto da perícia.
A ampliação do objeto da pericia por ação unilateral do Jurisperito implica em cerceamento de defesa da parte e em nulidade da prova pericial.
Imaginemos que o Reclamante ingressou com uma ação alegando que sofreu um traumatismo no pé esquerdo. Durante a pericia medica afirma que também tem dores nos ombros. O Perito deve analisar a dor no ombro e investigar se aquela doença possui nexo causal com o trabalho ou causa incapacidade laborativa?
Entendo que não! Não é este o objeto da pericia medica, que deve limitar-se a questão do traumatismo no pé esquerdo. A queixa de ombro deve, no máximo, constar no Laudo Pericial como antecedente pessoal do Reclamante.
Perícia Médica na Justiça do Trabalho não é check-up, onde o trabalhador ingressa com a ação alegando que está doente e o perito medico irá procurar se existe alguma doença que possa ser relacionada a seu trabalho.
Esta atuação do Jurisperito é extra-pedido e implica em cerceamento de defesa da Reclamada, que sequer se manifestou ou produziu outras provas em relação a esta outra queixa do Reclamante, que não constava em sua petição inicial.
Nunca é demais lembrar que a pericia medica não é o único meio de prova no processo, inexistindo em nosso ordenamento jurídico hierarquia entre as provas.
Se o julgamento do magistrado está limitado aos pedidos do Reclamante, o que dizer da atuação de um auxiliar da Justiça?
Estabelece o Código de Processo Civil:
Art. 141. O juiz decidirá o mérito nos limites propostos pelas partes, sendo-lhe vedado conhecer de questões não suscitadas a cujo respeito a lei exige iniciativa da parte.
Neste mesmo sentido estabelece o artigo 460 do CPC:
É defeso ao juiz proferir sentença, a favor do autor, de natureza diversa da pedida, bem como condenar o réu em quantidade superior ou em objeto diverso do que lhe foi demandado.
Segundo o princípio da adstrição o julgador deve ater-se ao pedido e à causa de pedir, sob pena de proferir sentença de forma extra , ultra ou infra petita .
Ao perito judicial não se aplica o mesmo princípio?
Neste sentido, a delimitação do objeto da pericia deve ser realizada antes do envio do processo ao perito judicial, para que não se gaste tempo e esforços com questões que não necessitam de esclarecimentos técnicos.
Por derradeiro, destaco a importância do Assistente Técnico das partes neste sentido, devendo o mesmo diligenciar para que a pericia não fuja de seu objeto, podendo relatar em seu Parecer Técnico caso, apesar de avisado, o Perito Judicial insista em tal analise extra-pedido.
Não podemos contar com a sorte para que a pericia medica seja bem feita, não sendo mero formalismo a definição de seu objeto, mas uma garantia de que o Perito Judicial não estará extrapolando suas competências e conturbando o andamento processual.
Cabe aqui recordarmos a clássica lição de CHIOVENDA: “o processo deve proporcionar a quem tem um direito, na medida do que for praticamente possível, tudo aquilo e precisamente aquilo que ele tem o direito de obter”
Autor (a): Dr. João Baptista Opitz Neto – Médico do Trabalho; Especialista em Ergonomia; Especialista em Medicina Legal e Perícias Médicas. Mestrando em Bioética pela UMSA / Argentina. Perito Judicial / Assistente Técnico nas áreas trabalhista e previdenciária. Autor do livro “Perícia Médica no Direito” (Editora Rideel).
O Dr. João Baptista Opitz Neto escreve mensalmente para o SaudeOcupacional.org, na “Coluna do Opitz”.