Pela resolução CFM n. 1995, de 9 de agosto de 2012, do Conselho Federal de Medicina (CFM), as diretivas antecipadas de vontade são definidas como “conjunto de desejos, prévia e expressamente manifestados pelo paciente, sobre cuidados e tratamentos que quer, ou não, receber no momento em que estiver incapacitado de expressar, livre e autonomamente, sua vontade”.
Não é lei nem precisa ser lavrado em cartório. Nos Estados Unidos, já é lei desde 1991. Alguns chamam de testamento vital. No Brasil, a declaração pode ser feita em qualquer tabelião mediante escritura pública.
Quando se fala desse assunto, logo se pensa na doação de órgãos. O Brasil é o segundo país no mundo em número de transplantes por ano e 80% são realizados com sucesso. Se você já avisou sua família sobre as diretivas antecipadas de vontade, está maduro o suficiente para avisá-los sobre a doação de seus órgãos. Ou não.
O Brasil evoluiu em um assunto árido e controverso. Quando me formei, esse assunto era tratado como crime.
Nenhum professor emitia uma opinião clara sobre qual deveria ser a conduta nesses casos. Hoje já mudou um pouco, mas alguns médicos ainda temem o assunto. Uma nova área de atuação médica está surgindo: a de cuidados paliativos.
O Código de Ética Médica (CEM), em seu artigo 41, diz: “o médico deve oferecer todos os cuidados paliativos disponíveis, sem empreender ações diagnósticas ou terapêuticas inúteis”. São muitos os ganhos: evitar o sofrimento, fortalecer relacionamentos, compartilhar memórias, ficar consciente, transmitir sabedorias, lembranças e até mesmo não ser um fardo. Segundo especialistas, a questão não é financeira e sim como podemos construir um sistema de saúde que de fato ajude as pessoas a ter uma “qualidade de morte”. A diferença entre cuidados médicos padrão e cuidados paliativos não é a diferença entre tratar e não tratar, a diferença está nas prioridades e o objetivo é manter o paciente livre de dores e desconfortos, além de preservar suas faculdades mentais.
Segundo a OMS, cuidados paliativos “consistem na assistência, promovida por uma equipe multidisciplinar, que objetiva a melhoria da qualidade de vida do paciente e de seus familiares diante de uma doença que ameace a vida, por meio da prevenção e do alívio do sofrimento, da identificação precoce, avaliação impecável e tratamento da dor e demais sintomas físicos, sociais, psicológicos e espirituais.”
Mesmo assim, optar por cuidados paliativos não é uma escolha fácil. Muitos anos antes de Cristo, Hipócrates escreveu que um médico deve ter três objetivos: aliviar o sofrimento do paciente, reduzir a gravidade da doença e abster-se de tratar o intratável. Informar e convencer o paciente e a família sobre este último objetivo não é uma tarefa fácil.
A revista THE ECONOMIST, publicou em 2010 e 2015 o ranking de qualidade de morte em 40 países. Em 2010 0 Brasil ocupava 38º lugar e foram avaliados itens como tratamentos no fim da vida e políticas públicas de cuidados paliativos. O Reino Unido ficou em 1º lugar. Em 2015, a pesquisa foi ampliada para 80 países e o Brasil caiu para 42º lugar!
Morrer não deve ser uma coisa legal. Seria tão bom morrer como morrem os passarinhos e poder escolher para onde ir. Paulo Leminski escreveu:
Anos andando no mato,
Nunca vi um passarinho morto,
Como vi um passarinho nato.
Onde acabam esses voos?
Dissolvem-se no ar, na brisa, no ato?
São solúveis em água ou em vinho?
Quem sabe, uma doença dos olhos.
Ou serão eternos os passarinhos?
Autor (a): Dr. Eduardo Arantes – Médico com especialização em Medicina do Trabalho pela Universidade São Francisco de São Paulo, Ergonomia pela Faculdade de Ciências Médicas de Minas Gerais e em Gestão de Saúde pela FGV. Autor dos livros: O Retorno Financeiro de Programas de Promoção da Segurança, Saúde e Qualidade de Vida nas Empresas, Ciências da Vida Humana e o recém-lançado Crônicas de Saúde, Ciência e Cotidiano. Atualmente é Diretor Técnico na Beecorp – Bem Estar Corporativo.
O Dr. Eduardo Arantes escreve mensalmente para o SaudeOcupacional.org, na “Coluna do Edu”.