No premiado filme Eu, Daniel Blake, de 2016, um trabalhador, após se recuperar de uma cirurgia, é impedido de voltar ao trabalho, embora tenha tido alta da seguridade. Sem receber de nenhuma fonte, ele busca se desvencilhar da burocracia para garantir sua sobrevivência. Ou seja, no filme, o personagem caiu no equivalente ao “limbo previdenciário” de seu país. Isso se dá quando o trabalhador em licença é considerado apto pela seguridade para retornar ao trabalho – e, portanto, tem seu benefício suspendido –, mas não é liberado pelo departamento médico do empregador. Como resultado, ele fica desassistido, sem proventos de qualquer fonte.
Pois a arte imita a vida: em um processo na 23ª Vara do Trabalho de São Paulo, uma trabalhadora que exercia a função de manicure estava afastada, e pediu em seu processo diversas verbas indenizatórias, assinatura do contrato de trabalho em sua CTPS e indenizações por dano moral e pelo período de afastamento, no qual teria ficado desassistida.
Porém, quanto ao pedido de indenização pelo suposto limbo previdenciário, a sentença de seu processo lembrou as condições: o empregador deve arcar com os salários do período se houver recusa por parte dele em ofertar ao trabalhador um posto de trabalho que seja compatível com a incapacidade relativa apurada por seu departamento médico. Mas, naquele caso, provas juntadas comprovaram que a empregadora buscou, por diversas vezes e sem sucesso, convocar a trabalhadora para reassumir seu cargo.
Portanto, como a recusa não foi da empresa, mas da própria trabalhadora, o julgamento do magistrado Dener Pires de Oliveira não concedeu o pedido de indenização pelo período sem salários do “limbo previdenciário”. Outros dois pedidos e a anotação da CTPS foram deferidos e, por isso, a sentença foi de procedência em parte.
(Processo nº 0000008-38.2014.5.02.0023)
Fonte: TRT-SP.
Trecho da sentença:
“No caso dos autos, contudo, o que observo é uma situação diversa dessa consagrada pela jurisprudência. Diferentemente do alegado pela reclamante em sua petição inicial, não houve recusa por parte da empregadora em lhe ofertar o posto de trabalho, mas recusa da própria trabalhadora em atender aos diversos chamados da empregadora para retornar ao trabalho.
Os telegramas enviados pela primeira reclamada à reclamante (documentos 96 a 103 do volume apartado de documentos das reclamadas) comprovam que a empregadora, após a cessação do benefício previdenciário concedido pela autarquia à trabalhadora, buscou, por diversas vezes e sem sucesso, convocar a empregada para reassumir o posto de trabalho.
Não houve impedimento à assunção do posto de trabalho pela reclamante. Ao revés, a primeira reclamada buscou, por diversas vezes, restabelecer de forma plena o contrato de trabalho, enviando uma quantidade significativa de telegramas à trabalhadora para que retomasse suas atividades laborais.
Vale dizer, conquanto o risco da atividade econômica seja do empregador, que, por esta razão, deve ofertar trabalho e pagar os salários caso discorde com a conclusão da Previdência Social quanto à capacidade laborativa do empregado; o risco decorrente da ausência de apresentação ao trabalho após o término do benefício, por descontentamento do trabalhador quanto à decisão do INSS, com a interposição de recursos administrativos ou o ajuizamento de ação em face da autarquia deve ser suportado pelo empregado, na medida em que, nesta última hipótese, não se trata de restrição imposta pelo empregador, mas de decisão livre do trabalhador de questionar a decisão administrativa, sem reassumir o posto de trabalho, embora convocado para tanto.
Diante desse panorama, julgo improcedente o pedido.” (Dr. Denes Pires de Oliveira – Juiz do Trabalho)