Em deliberação do Plenário Virtual, os ministros da Corte máxima reconheceram a repercussão geral da matéria objeto do Recurso Extraordinário (RE) 1.058.333, no qual se discute o direito de candidata que esteja grávida à época da realização do teste de aptidão física de fazê-lo em outra data, ainda que não haja essa previsão no edital do concurso público.
O Supremo Tribunal Federal (STF) vai julgar o direito da candidata gestante pretendente a cargo de policial militar do Paraná grávida de 24 semanas de fazer teste físico em segunda chamada. No caso em tela, a candidata não compareceu ao exame físico, que constitui etapa do certame para o cargo.
O juízo da 4.ª Vara da Fazenda Pública de Curitiba, julgando mandado de segurança da candidata, determinou a reserva da vaga para que o exame físico fosse feito posteriormente. A decisão de primeira instância foi mantida pelo Tribunal de Justiça do Paraná, que, ao negar provimento à apelação do Estado, considerou que o caso ‘é de força maior, devendo se admitir a realização de segunda chamada, em nome da proteção da gravidez, da maternidade e do livre planejamento familiar, e para garantir o direito líquido e certo da candidata’.
No recurso ao Supremo, o Estado do Paraná sustentou que a decisão contraria julgamento da própria Corte no RE 630733, quando, em Plenário, os ministros decidiram não ser possível a remarcação de prova de aptidão física para data diversa da estabelecida em edital de concurso público em razão de circunstâncias pessoais de candidato, ainda que de caráter fisiológico, como doença temporária devidamente comprovada por atestado médico, salvo se essa possibilidade estiver prevista pelo próprio edital do certame.
I- Acolhimento quanto à repercussão geral para se aplicar o teste de aptidão física em segunda chamada à candidata.
O STF já reconheceu a repercussão geral do processo. A manifestação do ministro Luiz Fux pelo reconhecimento da repercussão geral da matéria foi acompanhada por unanimidade.
Segundo o relator (ministro Luiz Fux), a questão objeto do recurso ‘transcende os limites subjetivos da causa e apresenta relevância do ponto de vista social e jurídico, uma vez que trata do direito de candidata grávida ser submetida ao teste de aptidão física em época diversa daquela inicialmente prevista no edital do concurso público’.
“É que a questão possui significativo impacto em outros casos idênticos, em que se confrontam o interesse da candidata gestante, amparado nos direitos à igualdade material, dignidade humana e liberdade reprodutiva; o interesse social, manifestado no direito ao planejamento familiar, direito à saúde e princípios da administração pública aplicados ao concurso público; e o interesse dos demais candidatos, amparado na segurança jurídica da vinculação às cláusulas editalícias e no princípio da impessoalidade”, destacou.
Pois bem. Avaliarei como percebo a circunstância de forma hipotética e não o caso concreto em si, até porque jamais tive acesso aos autos do processo, com todas as suas nuances e vicissitudes.
II – Fundamentos da negativa para se aplicar o teste de aptidão física em segunda chamada à candidata.
Como se trata de concurso público, o edital de concurso faz lei entre as partes, tendo como objetivo principal fixar regras que garantam a isonomia entre os candidatos e, para preservar esta igualdade, não é possível flexibilizar regras ou critérios objetivamente estabelecidos. Ao judiciário não compete controlar o mérito do ato administrativo (no caso, prorrogar ou mesmo conceder segunda chamada para teste de aptidão física), competindo-lhe exclusivamente resguardar e velar pelos aspectos formais do certame de forma a ser resguardada sua legalidade, em consonância com separação de poderes que norteia o Estado democrático de direito. A competência do judiciário está, tão somente, adstrita à aferição da legalidade do concurso público, pois agindo de forma diversa, culminaria em substituir a banca examinadora.
Temos que o edital não prevê tal circunstância (aplicação de teste de aptidão física em gestantes). Igualmente, não houve por parte da candidata interessada impugnação ao edital do concurso em prazo tempestivo. Portanto, em tese a mesma haveria anuído com as cláusulas do edital, não havendo possibilidade de rever posteriormente condições de caráter pessoal. É um princípio básico do direito:
“Nemo auditur propriam turpitudinem allegans”, ou seja, ninguém pode se beneficiar da própria torpeza. Uma vez que a mesma aderiu ao edital, não pode requerer neste momento mudança/flexibilização do mesmo em virtude de condição pessoal, ainda que temporária e fisiológica.
Ademais, temos no art. 37, caput e incisos II, IV e IX da Constituição Federal de 1988, a previsão do concurso para atender o interesse público, após aprovação no certame:
Art. 37 – A administração pública direta e indireta de qualquer dos Poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios obedecerá aos princípios de legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência e, também, ao seguinte:
II – a investidura em cargo ou emprego público depende de aprovação prévia em concurso público de provas ou de provas e títulos, de acordo com a natureza e a complexidade do cargo ou emprego, na forma prevista em lei, ressalvadas as nomeações para cargo em comissão declarado em lei de livre nomeação e exoneração
IV – durante o prazo improrrogável previsto no edital de convocação, aquele aprovado em concurso público de provas ou de provas e títulos será convocado com prioridade sobre novos concursados para assumir cargo ou emprego, na carreira;
IX – a lei estabelecerá os casos de contratação por tempo determinado para atender a necessidade temporária de excepcional interesse público. (grifo nosso)
Ora, está claro o interesse público de manter servidores/empregados públicos no provimento dos cargos, de forma regular sem necessitar contratação por prazo determinado.
Outrossim, as três esferas do Estado, vale dizer União, Estado e Município, devem ocupar as vagas disponíveis em tempo razoável, sem ter que “eternizar o processo de seleção”, em virtudes de condições de saúde em caráter pessoal, sejam estas temporárias ou fisiológicas.
Pensemos ”fora da caixa”. Imagine que você esteja no processo de concurso público se preparando para a etapa de aptidão física e sofre acidente com veículo, fica internado no hospital no período em que ocorreria o exame físico.
Caberia o judiciário intervir no concurso público em virtude de evento de caráter pessoal, não previsto pelo candidato? Claro que não! Então porque deveria intervir em evento (gestação) que por muitas vezes ocorre em virtude do planejamento familiar?
Para finalizar (e vale assim relembrar), atentemos para algumas questões técnicas: quais são as principais incompatibilidades gestacionais, nas diversas atividades ocupacionais que conhecemos?
1- Excesso de Peso:
Art. 390 – CLT: “Ao empregador é vedado empregar a mulher em serviço que demande o emprego de força muscular superior a 20 (vinte) quilos para o trabalho continuo, ou 25 (vinte e cinco) quilos para o trabalho ocasional.”
2- Radiações Ionizantes:
NR-32 (32.4.4): “Toda trabalhadora com gravidez confirmada deve ser afastada das atividades com radiações ionizantes, devendo ser remanejada para atividade compatível com seu nível de formação.”
3- Gases ou Vapores Anestésicos
NR-32 (32.3.9.3.4): “Toda trabalhadora gestante só será liberada para o trabalho em áreas com possibilidade de exposição a gases ou vapores anestésicos após autorização por escrito do médico responsável pelo PCMSO, considerando as informações contidas no PPRA.”
4- Quimioterápicos Antineoplásicos
NR-32 (32.3.9.4.6): “Com relação aos quimioterápicos antineoplásicos, compete ao empregador:
b) afastar das atividades as trabalhadoras gestantes e nutrizes;”
Ou seja, em tese não há incompatibilidade para a gestante realizar o teste de aptidão física. Decerto que uma gestação de 24 semanas sem complicações significativas interfere no desempenho físico, mas não impossibilita a realização do exame físico, principalmente se a mesma gozar de boas condições de saúde (prévias e atuais). Portanto, a ausência da candidata implicaria sua eliminação no certame.
Autor (a): Rodrigo Tadeu de Puy e Souza – Médico. Advogado. Pós-Graduado em Medicina do Trabalho. Mestre pela Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG). E-mail: rodrigodepuy@yahoo.com. Site: www.pimentaportoecoelho.com.br
O Dr. Rodrigo Tadeu de Puy e Souza escreve periodicamente para o SaudeOcupacional.org, na “Coluna do Puy”.
REFERÊNCIA BIBIBLIOGRÁFICA:
http://politica.estadao.com.br/blogs/fausto-macedo/stf-vai-julgar-direito-de-candidata-gestante-fazer-teste-fisico-em-segunda-chamada/
TJ-DF – Agravo de Instrumento AGI 20140020064553 DF 0006492-51.2014.8.07.0000 (TJ-DF)
Obs.: o texto acima é de autoria do colunista Rodrigo Tadeu de Puy e Souza, e não reflete a opinião institucional do SaudeOcupacional.org.