Neurological diseases and vehicle driving
Por Flávio Emir Adura
Resumo
Trata das consequências das doenças neurológicas no ato de direção veicular. Destaca que as doenças neurológicas podem causar sérios acidentes de trânsito. Tais como epilepsia, Parkinson e Alzheimer; sequelas de acidente vascular cerebral, lesões neurológicas, doenças degenerativas progressivas, ataxias, entre outras, que podem interferir no modo de direção do condutor de veículo automotor. Por isso, o médico perito examinador deve identificar e avaliar as condições dos candidatos portadores de doenças neurológicas, verificando a possibilidade ou não de condução de veículos automotores.
Palavras-chave: Doenças do sistema nervoso; Condução de veículo; Exame para habilitação de motoristas; Acidentes de trânsito.
Abstract
It treats of the consequences of the neurological diseases in the action of vehicle driving. It puts in evidence that the neurological diseases can cause serious accidents of traffic. Such epilepsy, Parkinson and Alzheimer; sequels of cerebral vascular accident, neurological lesions, progressive degenerative diseases, ataxias, among others, that can interfere in the way of the conditions of driving a vehicle. Therefore, the doctor examining expert should identify and to evaluate the candidates having neurological diseases conditions, verifying the possibility or not of driving vehicles.
Keywords: Nervous system diseases; Automobile driving; Automobile driver examination; Trafficaccidents.
1) Introdução
Doenças neurológicas são importantes causas médicas de acidentes de trânsito. A condução de um veículo requer capacidade para executar ações complexas em resposta a um ambiente que está continuamente mudando. Para conduzir um veículo com segurança, o motorista deve ser capaz de realizar, sem hesitação, uma série contínua de movimentos musculares complexos, com grande precisão, quaisquer que sejam as condições do clima e das vias. Toda doença que altere a percepção, julgamento, vigilância e a capacidade de realizar as ações necessárias para controlar um veículo, poderá prejudicar a aptidão de um condutor, tornando a direção veicular insegura. Doenças neurológicas progressivas constituem maior risco, salvo se esta condição for acompanhada por especialistas em relação à capacidade de conduzir um veículo com segurança [1].
Apresentam-se como candidatos a condutores de veículos automotores pessoas com epilepsia, doença de Parkinson, doença de Alzheimer, sequelas de acidente vascular cerebral, lesões neurológicas, doenças degenerativas progressivas, ataxias, entre outras, e o perito terá que saber identificá-las e avaliar o risco para a direção veicular aprovando ou não seus portadores [2].
2) Doença cerebrovascular
Efeitos residuais de uma doença cerebrovascular, como déficits cognitivos ou visuais, são muitas vezes suficientes para tornar uma pessoa incapaz de conduzir veículos automotores e sequelas, como hemiplegia, tornarão necessária a obrigatoriedade de condução de veículos apropriados (adaptados) [3].
3) Acidente vascular cerebral
Pessoas acometidas de acidente vascular cerebral poderão retomar a condução de um veículo se apresentarem recuperação completa, sem evidência de dano neurológico permanente. Persistindo comprometimento das funções neuromuscular, motora ou sensorial, deverão ser encaminhadas para a Junta Médica Especial dos Órgãos Executivos de Trânsito, onde serão avaliadas segundo a NBR 14.9703 da Associação Brasileira de Normas Técnicas (ABNT) e conforme determinação da Resolução nº 2674 do Conselho Nacional de Trânsito (CONTRAN). Poderá ser necessária a restrição para a direção de veículo apropriado/adaptado. Sequelas cognitivas, comportamentais, diplopia, hemianopsia homônima e ataxia deverão determinar a inaptidão definitiva para condução de veículos automotores de qualquer categoria.
Pessoas que sofreram acidentes vasculares cerebrais apresentam risco maior de um segundo episódio, que poderá provocar perda da consciência ou torná-los incapazes de lidar com um veículo automotor. Quando retomarem a condução de veículos, deverão permanecer sob supervisão médica e, no caso de aprovação no exame de aptidão física e mental, orienta-se a diminuição do prazo de validade do exame [5].
4) Ataque isquêmico transitório
Ataques isquêmicos transitórios (déficits neurológicos focais de etiologia isquêmica com regressão completa em menos de 24 horas) mais frequentes em pessoas idosas, podem causar perda de consciência, confusão mental, vertigem súbita e déficits motores, muitas vezes consequentes a arritmias cardíacas, originando dificuldade no controle de um veículo [6].
A cessação da condução veicular é recomendada por um período mínimo de seis meses após um ataque isquêmico transitório e a retomada desta após investigação diagnóstica, identificação da etiologia, controle e acompanhamento com o especialista [7]. Quando retomarem a condução de veículos, deverão permanecer sob supervisão médica e, no caso de aprovação no exame de aptidão física e mental, orienta-se a diminuição do prazo de validade do exame.
5) Síncope
A história de síncope (perda ou diminuição súbita e transitória da consciência, acompanhada de perda do tônus postural, com recuperação espontânea) deve ser sempre considerada como risco, uma vez que pessoas que perdem a consciência na condução de um veículo, dificilmente poderão evitar o acidente. Episódio único de síncope vasovagal, totalmente explicado e com baixa possibilidade de recorrência, ou síncopes, com causas diagnosticadas e tratadas, possibilitam a habilitação como motorista. Síncopes inexplicáveis ou recorrentes merecerão observação cuidadosa e seus portadores não deverão conduzir veículos automotores até que a causa tenha sido identificada, controlada e acompanhada pelo especialista8.
6) Tonturas, vertigens, doença de Ménière, distúrbios do labirinto e do tronco cerebral
Quando ataques de vertigem são incapacitantes, prejudicando a capacidade de dirigir com segurança, o condutor deverá ser aconselhado a não dirigir até que esta condição tenha sido suficientemente tratada e controlada. Vertigens ocorrem por muitas razões, a maioria delas devidas a distúrbios da orelha interna. A forma mais comum de vertigem paroxística relativamente incapacitante é a vertigem posicional paroxística benigna, que pode ocorrer com a movimentação da cabeça. Deve-se sempre desaconselhar a direção de veículos quando a vertigem for súbita, imprevisível, e incapacitante, prejudicando a capacidade para dirigir com segurança [9].
7) Doenças neurológicas progressivas
Doenças neuromusculares afetarão a capacidade do motorista em controlar um veículo com segurança, como resultado da perda de força, rigidez, movimentos lentos e incoordenação [10]. A esclerose múltipla também poderá causar déficits visuais, vertigens e perda sensorial. Os médicos deverão verificar a força muscular dos membros, a precisão dos movimentos rápidos dos pés e a propriocepção, além de estar atentos às alterações cognitivas que poderão coexistir em condições como a doença de Parkinson [11].
Nos estágios iniciais dessas doenças, muitas vezes é possível conduzir de forma eficaz, mas, haverá inevitavelmente um momento em que o médico terá que determinar a cessação da condução definitiva.
Será sempre adequado assessorar-se de relatórios médicos especializados, avaliações de Juntas Médicas e provas práticas de direção veicular. A doença de Parkinson caracteriza-se, clinicamente, pela presença de pelo menos dois, entre quatro sinais cardiais, todos eles limitantes para a condução de veículos: tremor em repouso, rigidez muscular, bradicinesia e alteração dos reflexos posturais. O tremor, que predomina no repouso, pode afetar as mãos e as pernas, além do segmento cefálico.
A rigidez muscular é do tipo plástico, ou seja, ocorre durante toda a flexão ou extensão das articulações testadas. A rigidez pode ser notada tanto na musculatura axial quanto nos membros. A bradicinesia se caracteriza pela dificuldade na execução dos movimentos, com demora para iniciá-los. As alterações dos reflexos posturais geram dificuldade de o paciente se reequilibrar quando desestabilizado [12].
Considerando-se a síndrome Parkinsoniana estabelecida, não é possível considerar-se apta para a direção veicular a pessoa portadora de tremor e rigidez dos membros, movimentos lentos e alterações do equilíbrio. Uma dificuldade adicional, no caso da esclerose múltipla, é a ocorrência de progressão intermitente e variável, com períodos de remissão, limitando seus portadores em determinados períodos. A forma clínica mais comum, responsável pela maioria dos casos iniciais de esclerose múltipla, é a forma surto-remissiva, que se caracteriza por apresentar episódios agudos de comprometimento neurológico, com duração de 24 horas ou mais e com intervalo de, no mínimo, trinta dias entre cada surto [13].
8) Demência e outras alterações cognitivas
Pessoas com demência apresentam combinações de déficits de memória, anormalidades visuais-espaciais e de funções cognitivas superiores, tais como abstração e capacidade de resolver problemas, que se constituirão em fatores de risco para a direção veicular segura. Apesar de alguns pacientes poderem continuar a dirigir com segurança por algum tempo, quase todos eventualmente terão que abandonar a direção [14].
Não havendo nenhum marcador único que irá funcionar como fator determinante de aptidão para conduzir um veículo automotor, muitas vezes, poderá ser extremamente difícil determinar-se a aptidão nas fases iniciais destas condições [15]. Estudos recentes mostram que até 76% dos pacientes com demência leve ainda são capazes de serem aprovados na prova prática de direção veicular [16]. A diretriz apresentada no 62º Encontro Anual da Academia Americana de Neurologia é menos rígida do que as recomendações prévias, publicadas uma década atrás, que tendiam a encorajar os pacientes a deixar de dirigir.
As novas diretrizes recomendam a escala de Avaliação Clínica da Demência (Clinical DementiaRating-CDR) [17] para identificar pessoas com risco aumentado, considerando que o Mini-Mental State Examination (MMSE) não era clinicamente útil. Apesar de pacientes com escores menores de 24 serem tipicamente considerados de risco aumentado e de direção perigosa, os autores da diretriz consideraram que a evidência era insatisfatória. As evidências apresentadas no 62º Encontro Anual da Academia Americana de Neurologia para a condução de pessoas com doença de Alzheimer apoiam as seguintes recomendações:
1. Os pacientes e suas famílias devem ser informados de que pessoas com doença de Alzheimer, com gravidade de 1,0 CDR ou mais erros de desempenho, têm taxa de acidentes aumentada substancialmente e a cessação definitiva de dirigir deve ser fortemente considerada.
2. Os pacientes e suas famílias devem ser informados que pessoas com doença de Alzheimer, com gravidade de 0,5 CDR, representam um problema significativo de segurança de tráfego quando comparados a outros motoristas. O encaminhamento do paciente para uma avaliação de desempenho de condução por um examinador qualificado deve ser considerado.
3. Considerando a elevada probabilidade de progressão para uma gravidade de 1,0 CDR, dentro de poucos anos, os médicos devem reavaliar a gravidade da demência e adequação de condução contínua a cada 6 meses. Mais estudos são necessários para determinar se existem subgrupos de pacientes com doença de Alzheimer, com gravidade de 1,0 CDR, que possam dirigir com segurança, ainda que com restrições de categorias e percursos delimitados.
É também necessária maior investigação sobre a segurança de direção veicular para pacientes com demências vascular, fronto-temporal, com corpúisculos de Lewy e subcortical.
9) Traumatismo craniano
Motoristas que tiveram trauma cranioencefálico recente deverão ser avaliados quanto à mobilidade ativa, passiva e reflexa, coordenação motora, força muscular, sensibilidade profunda, fala e percepções, para determinar se há alguma evidência de consequências que os tornariam inaptos temporariamente para a condução de veículos automotores. Apesar da possibilidade de um trauma craniano não comprometer a condução por mais de algumas horas, uma lesão mais grave poderá resultar em lesão cerebral. Os principais fatores que poderão impedir a condução por um período prolongado são as perdas cognitivas, convulsões pós-traumáticas, deficiências visuais e déficits motores [18].
10) Tumores intracranianos
Pacientes que pretendam retomar a condução de um veículo após a remoção de um tumor intracraniano deverão ser submetidos a uma avaliação da cognição, da coordenação motora, do campo visual, do senso de equilíbrio, da força motora e dos reflexos. O parecer do neurologista e/ou do neurocirurgião que removeu o tumor será de grande valia [19].
11) Abcesso cerebral, malformações arteriovenosas, aneurismas intracranianos
Condições como abcesso cerebral, malformações arteriovenosas e aneurismas intracranianos representam riscos para a condução veicular. Os principais são em relação à epilepsia, particularmente no abscesso cerebral, e hemorragia espontânea no caso de malformações arteriovenosas e aneurismas. Avaliações neurológicas e relatórios médicos especializadas são fundamentais.
12) Epilepsia
A princípio, a condição de portador de epilepsia e o fato de usar medicamentos antiepilépticos não incompatibilizarão o candidato à direção de veículos, salvo se o quadro não estiver controlado, sujeitando-o a frequentes crises com alteração de consciência. Pessoas com intervalos curtos entre as crises não devem dirigir e aquelas com longos intervalos entre suas crises podem ser consideradas capazes de dirigir com segurança [20]. Os índices de acidentes envolvendo motoristas com epilepsia controlada são discretamente aumentados e similares àqueles provocados por condutores com outras condições médicas crônicas menos restritivas legalmente, como o diabetes mellitus [21]. Acidentes de trânsito fatais atribuídos à epilepsia representam uma pequena porcentagem se comparada àqueles atribuídos ao álcool [22]. A morte súbita, presumivelmente de origem cardíaca, na direção de um veículo automotor, também é mais prevalente que o acidente fatal por epilepsia [23]. Exigir do candidato à habilitação, como motorista portador de epilepsia, que demonstre estar em acompanhamento neurológico e livre de crises epilépticas no mínimo há 12 meses. O intervalo de um ano, livre de convulsões, é o critério ou norma mais frequente para julgar a capacidade de dirigir das pessoas portadoras de epilepsia [18]. Períodos sem crises convulsivas, superiores a 6 e 12 meses, estão associados com redução significativa do risco de acidentes envolvendo portadores de epilepsia [24].
Devido ao fato dos motoristas profissionais controlarem veículos grandes, potencialmente mais perigosos, e/ou transportarem passageiros por longos períodos, a habilitação recomendada deve restringir-se à permissão para conduzir veículos da categoria B (condutor de veículo motorizado, não abrangido pela categoria A, cujo peso bruto total não exceda a três mil e quinhentos quilogramas e cuja lotação não exceda a oito lugares, excluído o do motorista) [25].
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Fonte: Abramet.