Os honorários periciais vêm sendo tratados de forma superficial desde 1968, quando passou a ser obrigatório a realização de perícia para a caracterização de insalubridade. Diante da necessidade de pagar honorários periciais decidiu-se que nem os autores e nem os tribunais arcariam com esta despesa. O encargo da gratuidade processual foi transferido para os peritos. Para isso o perito foi equiparado ao Estado e os honorários à custa processual, aplicando-se ao perito o artigo 789 da CLT, §4 (à época).
Os peritos receberiam honorários se as empresas fossem vencidas e mesmo assim somente anos depois dos serviços terem sido prestados. Nasce assim a Indústria da Insalubridade.
Profissionais ética e tecnicamente comprometidos se afastaram deste sistema e os que se mantiveram conheciam as regras de pagamento. Onde havia peritos os pedidos de insalubridade aumentaram da mesma forma que os custos suportados pelas reclamadas. Onde não houve quem se habilitasse a atuar neste cenário, os trabalhadores não tiveram o devido acesso à justiça.
Para conter o excesso de processos gerados pelo sistema de pagamentos periciais adotou-se, como “remédio”, que o autor, mesmo beneficiário da justiça gratuita, pagaria os honorários periciais caso sucumbisse no objeto da ação. Súmula 236 do TST, de dezembro de 1985: “A responsabilidade pelo pagamento dos honorários periciais é da parte sucumbente na pretensão relativa ao objeto da perícia.”
A esperada diminuição do número de processos não ocorreu. Pelo contrário, aumentou. Segundo a Subsecretaria de Estatística do Tribunal Superior do Trabalho o número de processos no quinquênio sequente à sumula aumentou 31,8% passando de 4.232.785 processos autuados no quinquênio 1981-1985 para 5.582.119 no quinquênio seguinte. Com a súmula 236 o perito receberia se a reclamada perdesse no “objeto da perícia”. Foi o que ocorreu.
Para atrair peritos capacitados e comprometidos, juízes de primeira instância passaram a solicitar que as reclamadas “adiantassem” algum valor ao perito. A prática passou a ser conhecida como “honorários prévios”. Tal adiantamento nunca foi obrigatório e o TST deixou isso claro com a Orientação Jurisprudencial n. 98 (OJ-98).
Apesar da Constituição Federal de 1988 reafirmar ser dever do Estado prestar assistência jurídica integral ao hipossuficiente, a Justiça do Trabalho manteve a prática de transferir ao perito o ônus da gratuidade processual neste assunto.
Somente com a introdução do Artigo 790-B na CLT, em 2002, os tribunais realizaram um tímido movimento na direção de assumir a gratuidade. Mesmo assim as resoluções 35/2007 e 66/2010 do CSJT implantaram o 790-B e a própria CF de modo peculiar. Continuaram impondo ao perito o ônus da gratuidade processual se limitando a arcar com parcos honorários somente após o trânsito em julgado. O perito continuou sendo equiparado ao Estado e os honorários às custas processuais. Aplica-se ao perito, até os dias atuais, o artigo 789, atual § 1º, da CLT. Acrescente-se que o parco valor é pago somente quando existe “disponibilidade financeira”, o que não garante haver obrigatoriedade no pagamento dos honorários. A Justiça do trabalho nega ao perito a dignidade da pessoa humana, o valor social do trabalho e a igualdade perante a lei garantidos pela CF/88 e reconhecidos desde a Declaração Universal dos Direitos Humanos.
A despeito da situação, o parco pagamento e a prática dos honorários prévios, garantiram condições mínimas para que a perícia médica pudesse ser instalada na seara trabalhista sendo pequena a presença da “indústria da concausa”.
A reforma trabalhista de 2017 revive a súmula 236 do TST e traz para a CLT a OJ-98. Muitas reclamadas deixaram de depositar honorários prévios e o precário sistema de sustentação financeira das perícias foi inviabilizado.
As reclamadas agem de forma a exigir que o perito nada receba caso elas tenham razão. Podem achar justo não pagarem o perito quando não perdem no objeto da perícia. Entretanto qual é a possibilidade que exista um sistema capaz de produzir perícia qualificada, imparcial e independente se os profissionais só recebem honorários quando ela perde? A história mostra que a “solução” agora revivida causou prejuízos significativos.
Aparentemente os cofres dos tribunais serão poupados pois caberá ao perito tentar receber do autor que, em regra, não tem como pagar. Entretanto qual é a possibilidade deste sistema gerar perícias capazes de sustentar sentenças justas?
O êxodo de peritos comprometidos já se iniciou. Os que ficarem atuarão de forma marginal posto que terão que desempenhar outras atividades para subsistirem. A carência de peritos aumentará significativamente. Em alguns locais onde médicos não se sujeitem a este sistema de remuneração o acesso à justiça ficará comprometido (mesmo nas condições pré-reforma já existiam estas localidades). Em outros, o espaço será preenchido por quem aceita a “regra”: o perito recebe por seu trabalho quando a reclamada perde.
O contraponto é visto na prática no TRT da 8a Região. O perito sabe quanto vai ganhar antes de realizar o trabalho, o valor não muda em função do resultado da perícia e o pagamento é efetivado logo após a entrega do laudo. O novo CPC é praticado e as reclamadas, no mais das vezes, solicitam a perícia e arcam com seus custos. A necessidade de a ré solicitar a perícia advém de outra alteração feita na CLT pela reforma de 2017, o item II do artigo 818. O trabalhador pode tão somente mostrar ser portador de doença potencialmente enquadrada como ocupacional uma vez que não detém informações sobre avaliações do ambiente de trabalho. Exigir que estabeleça nexo é exigir prova impossível, como já reconhece a Lei 8213/91, através do NTEP. Por outro lado, a reclamada é a única que detém os meios para provar a ausência de direito.
Os meios necessários e suficientes para que se criar sistema pericial qualificado, imparcial e independente na Justiça do Trabalho existem. Sua implantação depende que a própria Justiça do Trabalho reveja a posição adotada em 1968 e passe a considerar que honorários são despesas e não custas processuais, que o perito não se equipara ao Estado e que, como ser humano, precisa ser adequadamente remunerado pelo eu trabalho, salvaguardando a dignidade humana, o valor social do trabalho e a igualdade perante a lei.
Autor: Marcos Alvarez – Médico, formado na FAMERP em 1984, cirurgião geral via residência médica, Médico Endoscopista (SOBED/AMB), Médico do Trabalho (ANAMT/AMB), especialista em Medicina Legal e Perícias Médicas (ABMLPM/AMB). É Pós-Graduado em Ergonomia. Possui experiência na área pericial de mais de 20 anos de atuação.
Obs.: esse texto traduz a opinião pessoal doautora, não sendo uma opinião institucional do SaudeOcupacional.org.