Não há a menor dúvida de que exista certa diferença salarial entre homens e mulheres, de que o mercado de trabalho privilegia a contratação de homens em cargos mais altos e mais bem remunerados, mas aquele número mágico que grudou na língua dos ativistas e segue firme e forte nas reportagens sobre o tema precisa ser revisto e destrinchado.
Na última pesquisa do IBGE (segundo trimestre de 2018), a informação é de que as mulheres ganham, em média, 24% a menos do que os homens. Você deve ter ouvido, muitas vezes, que a diferença é de 30%. Um número exagerado, mas que facilita e causa maior impacto. É um percentual que sempre me intrigou e me fez começar a ler sobre o assunto há uns dois anos. As empresas contratam pessoas com as mesmas habilidades e pagam menos para as mulheres apenas por causa de machismo? Por que, então, não contratam apenas mulheres e desoneram a folha de pagamento?
Pois bem, a realidade não é tão simples como esses dados. A diferença apontada pelo IBGE está correta? Bem, sim. Mas não o que ela nos diz.
A impressão que temos é que as mulheres ganham menos do que os homens nos mesmos cargos, desempenhando as mesmas tarefas, trabalhando o mesmo número de horas, na mesma empresa. O que, de fato, seria um absurdo. Mas não é isso que os números do IBGE nos mostram, porque a metodologia usada nesse levantamento não é detalhada dessa forma. Os entrevistados respondem quanto ganham e o resultado é uma média geral, independentemente do tipo de trabalho, da função, do tempo de serviço, da empresa. Há outro dado interessante tratado pelo instituto, o número de horas trabalhadas. Segundo o IBGE, mulheres têm uma carga horária média de 36,5 horas por semana, contra 41,5 horas dos homens. Percebam que essa diferença poderia explicar a diferença salarial. Mas esses números escondem outros detalhes importantes.
Primeiro, vamos falar sobre um estudo que chegou a números parecidos, mas com detalhamento mais realista. A Fundação de Economia e Estatística, do governo do Rio Grande do Sul, analisou 100 mil salários de forma mais criteriosa, fatiando dados como escolaridade, tipo de trabalho, jornada semanal, tempo gasto com atividades domésticas. O resultado encontrado é que as brasileiras ganham em média 20% a menos do que os homens, mas ao destrinchar as informações os pesquisadores descobriram que apenas 7% não são explicados pela produtividade e poderiam ter o fator machismo como causa da diferença.
Vamos pegar os 13% a menos e olhar com atenção porque ele nos dá algumas respostas. Guilherme Stein, um dos economistas responsáveis pelo estudo, explica que há alguns fatores que puxam o salário para baixo. Apesar de as mulheres terem mais anos de estudo, em geral, elas demoram mais para entrar no mercado de trabalho, interrompem a carreira com mais frequência, escolhem profissões que pagam menos ou que têm jornada menor. Então, alguém pode dizer: está vendo, não tem nada de machismo nisso?
Não é bem assim. Indiretamente, essas escolhas têm, sim, a ver com o modelo de sociedade em que vivemos. E isso precisa mudar. As mulheres sempre foram incentivadas a escolher profissões consideradas femininas e muitas delas não são bem remuneradas. Cuidar da casa ainda é responsabilidade da mulher na maioria dos lares brasileiros. Nesse ponto, Stein acredita que se houvesse mais equilíbrio na divisão de tarefas, nós poderíamos passar mais tempo no trabalho e escolher profissões que exigissem mais dedicação. Ou seja, não adianta apenas dividir as contas no fim do mês, precisamos delegar os cuidados com a casa e com os filhos a nossos companheiros, se queremos ter carreiras mais valorizadas e ganhar mais dinheiro. Ninguém disse que não haveria um preço.
Mas olha que boa notícia: um estudo de Harvard, conduzido por Claudia Goldin, uma das maiores especialistas em igualdade salarial, mostra que à medida que os empregos começam a permitir maior flexibilidade de horário (por causa dos avanços tecnológicos), a tendência é que o diferencial de salário diminua. Tanto faz o tempo que você permanece no escritório ou mesmo se trabalha parte dele em casa, mas os resultados apresentados.
Bem, talvez você não tenha gostado dessa notícia e prefere acreditar que as mulheres ganham mesmo 30% a menos. Eu sei, pegou amor por esse número, porque afinal ele é uma bandeira enorme para gente gritar que o mundo é machista. E ele é mesmo, mas a gente só muda as coisas quando encara a realidade. Ainda temos uma diferença de 7%, para os quais o estudo de Stein aponta como provável causa o machismo. E esse número já é suficiente para ser combatido.
Só um parêntese aqui. É uma bobagem perguntar aos candidatos à presidência o que eles vão fazer para mudar essa situação. Claro, podemos questionar o que eles acham sobre igualdade de gênero, porque ninguém quer eleger um brucutu (quero acreditar nisso). Mas eles não farão nada. Primeiro porque já existe na CLT artigo (461) que prevê equiparação salarial. Segundo porque não é atribuição do cargo.
Mas, vamos lá. Precisamos assumir a responsabilidade de algumas mudanças. Você ganha menos do que seu colega, no mesmo cargo, realiza as mesmas tarefas, trabalha o mesmo número de horas? Denuncie seu empregador. Mas é bom lembrar o seguinte: empresas têm políticas salarias variadas e nada disso tem a ver com gênero. Vou pegar o meu exemplo. Um dos meus empregadores me contratou com salário 30% inferior ao de outra mulher, nas mesmíssimas condições. Num outro trabalho, eu ganhava 50% a mais do que uma colega em condições idênticas. Nos dois casos, os chefes eram mulheres. Tudo isso precisa ser levado em conta.
E aí chegamos a outro ponto importante. Negociação. Esse é um problemão na vida das mulheres, observado num estudo conduzido pelo National Bureau of Economic Research (EUA). Nós não sabemos negociar salários, evitamos o confronto que é necessário. E, infelizmente, aumento e promoções não caem no colo de ninguém. Os homens aprendem desde criança a serem agressivos e estratégicos. O contrário do que acontece com as mulheres, que são educadas para a passividade. Não ligue, não procure, não ofereça, não cobre.
Alguma dúvida que isso se refletiria no trabalho? Por isso, precisamos falar, pedir, negociar, planejar nossas carreiras e aos poucos mudar também outro panorama. Ainda somos apenas 37,8% nos cargos gerenciais (IBGE), 18% na presidência das empresas (Insper). Não há dúvida de que uma boa dose de preconceito e de machismo explique esses dados, mas isso vem mudando e é irreversível. Não podemos apenas apresentar a conta e esperar que o mundo seja mais justo. Vai exigir algumas mudanças em nossos papéis, um tanto de sacrifícios pessoais, mas tenho certeza de que estamos prontas para isso.
(*) Mariliz Pereira Jorge é Jornalista e roteirista de TV.
Fonte: Granadeiro.adv.br