08 abr 2019

Ação e documentação em saúde ocupacional: gêmeos siameses

postado em: Coluna do Lenz

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Nós, operadores responsáveis pela segurança, saúde do trabalhador e elaboração da documentação trabalhista, frequentemente nos encontramos em situações de litígio decorrentes da relação tripartite gerada pelo trabalho: empregado, empregador e governo.

Assim, temos que tomar decisões que envolvem situações como adicionais de risco (insalubridade e periculosidade), reparação de danos por acidente do trabalho, definição de benefícios previdenciários ( se acidentários ou não acidentários), caracterizado ou não como de acidente do trabalho, ação regressiva do INSS, com ressarcimento de de benefícios pagos ao segurado resultantes de negligência da empresa quanto às normas de padrão de segurança e higiene no trabalho, caracterização de tempo especial para aposentadoria, exigência pelo INSS de cobrança diferenciada do SAT (6%, 9% ou 12%), ação civil pública contra o empregador ou mesmo contra os profissionais do SESMT por negligenciar as normas de padrão de segurança e higiene do trabalho, entre outras ações contra profissionais, nos mais variados níveis, desde os conselhos de classe, ações judiciais civis e até penais.

Na verdade, em todas essas situações, por mais complexas que sejam, a nossa decisão pode ser resumida respondendo a três perguntas: é do trabalho? (nexo causal), o trabalhador está apto? (aptidão laboral) e, por fim, existe o risco ambiental (presença/ausência do risco). Respondidas estas três perguntas, com fundamentação técnico-legal consistente, tudo fica mais fácil. Mas, na prática, tais respostas não são tão simples assim.

Toda e qualquer intervenção do profissional de saúde ocupacional deve ser rigorosamente composta pelo binômio indissolúvel, ação e documentação, de tal forma que toda a ação deve ser seguida da respectiva documentação, e vice-versa, de modo que tanto “agir sem documentar” quanto, ao contrário, “documentar sem agir” gera um “binômio vazio”, embora cheio, repleto de insegurança jurídica.

Quantas vezes nos deparamos com “documentos vazios” decorrentes de documentação sem ação, como em situações de emissão de ASO, sem a realização do exame clínico, para atendimento de “urgências corporativas” como auditorias internas ou externas, ações de fiscalização; emissão de laudo ambiental sem a devida avaliação, ou mesmo realizada em condições precárias.

Ao contrário, deparamo-nos com “documentos vazios”, decorrentes de ação sem documentação, como em situações de avaliação de trabalhador sem o respectivo registro em prontuário, sem emissão de ASO, investigação de acidente do trabalho sem a elaboração da respectiva documentação (ficha de investigação, registro da CAT), ou mesmo com documentação em condições precárias.

Essas intervenções vazias acabam por gerar dano para uma das três partes envolvidas na relação do trabalho, às vezes até para todas.

Temos caminhado no sentido de elaborar protocolos para a intervenção do profissional de saúde ocupacional, assim como um roteiro a ser seguido, na forma de “padrões operacionais” para situações que se repetem, porém em cenários diferentes, como um roteiro a ser seguido nas intervenções diárias em acidente do trabalho, avaliação ambiental, consultas ocupacionais, etc.

Assim, em saúde ocupacional, para toda “ação” existe uma “documentação” adequada, e vice-versa, gerando um binômio consistente, bem fundamentado, porque tão importante quanto “fazer”, é “documentar”.

Podemos, então, resumir a nossa intervenção em um binômio: agir e documentar, duas partes complementares entre si e, dentro de cada uma, a semente da outra. Assim, tanto a documentação sem ação ou vice-versa, a ação sem documentação gera um binômio vazio. Ao contrário, um binômio “agir e documentar” consistente depende de um conhecimento técnico-legal do profissional de saúde ocupacional também consistente, não apenas nas áreas específicas da medicina do trabalho e engenharia de segurança, mas também em higiene ocupacional, ergonomia, meio ambiente, legislação trabalhista, etc. Portanto, a “ação” do profissional de saúde ocupacional é tão mais adequada quanto mais ele conhecer a legislação trabalhista; da mesma forma, a “documentação” é também tão mais adequada quanto mais ele conhecer os conteúdos técnicos. Assim, a ação é o “farol” da documentação e vice-versa.

Portanto, em toda intervenção em saúde, segurança e integridade no trabalho, para cada “ação” deve haver uma correspondente “documentação” (e, vice-versa), resultando sempre no binômio “agir-documentar”.

Algumas vezes deparamos com colegas extremistas exaltando a prática pericial como soberana em detrimento da prática prevencionista, como se o ato pericial fosse algo superior, absoluto; ou, ao contrário, em outro polo, colegas exaltando a prática prevencionista como sendo o real objetivo de nossos cuidados, entendendo a prática pericial como algo inferior.

Na verdade, a perícia documental ensina muito como fazer prevenção e vice-versa, de tal forma que o bem-prevenir, depende do bem-documentar e, vice-versa, fato facilmente confirmado com o amadurecimento do profissional de SST.

Agora, não deve também ser levado ao extremo, como fato absoluto, conforme o mais nauseabundo dos aforismos em saúde ocupacional: “amadurecer é aprender a se frustrar documentado”. Esse é de doer!

Mas, por outro lado, “quando mais nada puder fazer, documente-se!”

Afinal, o seguro morreu de velho, de morte natural. Bem “assistido” e bem “registrado” até o último suspiro. Tudo muito, muito bem documentado!

Autor: Dr. Lenz Alberto Alves Cabral – Médico do Trabalho. Especialista em Ergonomia pela Faculdade de Ciências Médicas de Minas Gerais. Mestre-FAMERP/SP: “Nexo Causal no Acidente do Trabalho”.Professor convidado de vários cursos de Pós-Graduação em Medicina do Trabalho e Engenharia de Segurança do Trabalho. Professor e Coordenador do Curso de Gestão em Ergonomia Aplicada ao Trabalho da PROERGON – Uberlândia/MG. Autor dos livros “Abre a CAT?” (Editora LTr) e “Limbo Trabalhista” (Editora LTr).

Obs.: esse texto traduz a opinião pessoal do colunista, não sendo uma opinião institucional do SaudeOcupacional.org.

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