09 jul 2019

Medicina do Trabalho não é custo, é investimento

postado em: Coluna do Saulo

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No Brasil anualmente ocorrem por volta de 700.000 acidentes do trabalho, além dos milhares que não são registrados, diante da subnotificação de acidentes do trabalho que assola o país, com empresas e profissionais sonegando informações aos órgãos públicos.

Os custos desses acidentes são arcados por quatro grupos: o Estado, os trabalhadores, as empresas e por toda sociedade. Pelo Estado, por meio de benefícios previdenciários, como auxílio-doença, auxílio-acidente, aposentadoria por invalidez, pensão por morte, e atendimentos no Sistema Único de Saúde; pelos trabalhadores, que sofrem com os pagamentos de medicamentos, perda de trabalho e discriminação para reeingresso no mercado de trabalho após um acidente do trabalho ou doença ocupacional; também são arcados esses custos pelas empresas, pelo absentesímo, pelo aumento dos custos com Fator Acidentário de Prevenção (FAP), pelo pagamento de indenizações por danos físicos, morais e pensionamento em processos judiciais e pelas ações regressivas promovidas pela Advocacia-Geral da União; e pela sociedade, em que os contribuintes vêem seus tributos sendo destinados a reação e não para prevenção de acidentes do trabalho.

Conforme dados oficiais os acidentes de trabalho custaram mais de R$ 26,2 bilhões à Previdência Social entre 2012 e 2017. Já as perdas no Produto Interno Bruto (PIB) chegaram a R$ 264 bilhões. Além disso são milhares de trabalhadores mortos e incapacitados permanentemente todos os anos no trabalho.

Afirmou o procurador-geral do Trabalho, Ronaldo Fleury (2018) que “Nós temos uma cultura no Brasil de que o trabalhador acidentado não é problema da empresa, é problema da Previdência. Não é justo que toda a sociedade arque com essa despesa com base em descumprimento, por parte das empresas, de regras mínimas de saúde e segurança do trabalho.”

Para o professor José Pastore (2012) “O custo dos acidentes e doenças do trabalho para o Brasil chega a R$ 71 bilhões por ano, o equivalente a quase 9% da folha salarial do País, da ordem de R$ 800 bilhões.”

E, esse custo ainda é subestimado, porque não inclui a enorme massa de força de trabalho informal, que nem mesmo possui acesso aos benefícios da Previdência Social, mas se trata no SUS.

Contudo, mesmo com todos esses números alarmantes, parcela dos gestores e empregadores têm a visão míope que Medicina do Trabalho é um custo. Vejamos, é esse tipo de pensamento que faz o Brasil ser um dos primeiros no ranking mundial de acidentes do trabalho. Parcela dos gestores e empregadores não tem conhecimentos básicos da importância da saúde, higiene e segurança do trabalho e relegam essa área a um local desprestigiado dentro das empresas. Não tem discernimento que Medicina do Trabalho é um investimento, e que investir em prevenção de acidentes do trabalho e doenças ocupacionais tem muito mais efetividade do que instrumentalizar a área jurídica da empresa em defesa de processos trabalhistas, quando o dano já foi provocado. As empresas costumam valorizar o departamento jurídico com uma diretoria bem próxima da presidência, enquanto a área de Medicina do Trabalho é desprestigiada. Assim, os milhares de reais que são pagos pelas empresas em indenizações trabalhistas seriam poupados se os investimentos em Medicina do Trabalho fossem realizados.

É preciso abolir o pensamento errôneo de gestores e empregadores que a função de um médico do trabalho é somente realizar os exames ocupacionais, como o periódico, pois essa é somente uma das suas atribuições. Sua competência deve estar voltada também para a gestão da saúde do trabalhador, no aspecto da organização do trabalho; ainda mais pela expansão dos transtornos mentais relacionados ao trabalho, como depressão, ansiedade, estresse, síndrome de burnout, transtorno de estresse pós-traumático etc. A Associação Nacional de Medicina do Trabalho (ANAMT), fez um reconhecido trabalho na publicação “Competências essenciais requeridas para o exercício da Medicina do Trabalho”, em que evidencia a profundidade e complexidade do atuar do médico do trabalho.

O investimento em Medicina do Trabalho parte de valorizar a remuneração dos profissionais de SST. Dados públicos já evidenciaram que a cada US$ 1 dólar aplicado em prevenção de acidentes do trabalho e doenças ocupacionais pode trazer US$ 4 dólares de retorno para a empresa.

Já a Agência Europeia para a Segurança e a Saúde no Trabalho (EU-OSHA) determina que para cada euro investido em SST, existe um retorno de 2,2 euros.

Investir em Medicina do Trabalho promove a redução dos acidentes do trabalho e doenças ocupacionais; melhoria do clima organizacional; aumento da produtividade; redução do absenteísmo e presenteísmo; retorno à imagem corporativa de mercado aos consumidores; proteção legal; redução do passivo trabalhista; preservação de vidas; redução de custos do Estado, permitindo o desenvolvimento social, etc.

Bem afirmou o Desembargador do Trabalho Sebastião Geraldo de Oliveira (2011) que: “Cabe ressaltar também o problema da inserção do SESMT na hierarquia da empresa. Em algumas delas, esse setor encontra-se vinculado à diretoria, em outras, ao setor de relações industriais, em outras, ainda, ao setor de recursos humanos ou até o setor de pessoal. O ideal seria a vinculação do SESMT a quem tenha poderes efetivos de gestão no empreendimento, porque a subordinação aos setores de menor hierarquia acaba por diminuir a importância das suas atividades. Pode-se reconhecer o grau de importância que o empregador atribui ao tema da segurança e saúde do trabalhador de acordo com a vinculação desse setor no organograma da empresa”

Assim, esse investimento passa pela valorização do médico do trabalho e do SESMT na organização. Não é cabível que no organograma de uma empresa o setor de saúde no trabalho esteja em posição rebaixada, sem a possibilidade fática de decisão real. O médico do trabalho deve não somente ser o chefe dos serviços de saúde, mas também integrar a alta direção da empresa, devendo ser consultado nas decisões estratégicas. A contratação de profissionais da área de saúde, higiene e segurança do trabalho é um dos melhores e mais rentáveis investimentos que qualquer organização pode realizar. Para tanto, é preciso educar e conscientizar gestores e empregadores, para permitirem o exercício ético da Medicina do Trabalho.

* Atualização de publicação deste autor, na edição 476 da Revista CIPA.

 

Autor: Dr. Saulo Soares – Médico do Trabalho, Advogado, Professor efetivo Adjunto de Direito de Universidade Federal e Perito Judicial. Doutor em Direito, com distinção Magna Cum Laude, pela Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais – PUC Minas (CAPES 6). Mestre em Direito, com distinção Magna Cum Laude, pela PUC Minas (CAPES 6). Especialista em Direito Médico (UNIARA), Direito do Trabalho e Previdenciário (PUC Minas) e Medicina do Trabalho (FCMMG). Detentor do Título de Especialista em Medicina do Trabalho pela Associação Médica Brasileira (AMB). Bacharel em Direito pela Faculdade Mineira de Direito (FMD). Leigo da Igreja Católica Apostólica Romana. Autor dos livros “Ser Médico ‘examinador’ do Trabalho: subserviência e precarização do jaleco branco – uma abordagem jurídico-científica” (Editora Buqui); “Direitos Fundamentais do Trabalho” (Editora LTr) e “Direito da Prevenção de Riscos Ocupacionais” (Editora Lumen Juris). Coordenador dos livros “Temas Contemporâneos de Direito Público e Privado” (Editora D’Plácido); “Fluxo de Direito e Processo do Trabalho” (Editora CRV); “Ciência Trabalhista em Transformação” (Editora CRV) e “Direitos das Pessoas com Deficiência e Afirmação Jurídica” (Editora CRV).

Obs.: esse texto traduz a opinião pessoal do colunista, não sendo uma opinião institucional do SaudeOcupacional.org.

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