A Justiça do Trabalho condenou um supermercado a pagar indenização por dano moral de R$ 15 mil à ex-empregada agredida pela gerente quando o contrato de trabalho já estava encerrado. O ataque ocorreu quando a trabalhadora foi à empresa para receber seu acerto rescisório, por convocação da própria empregadora. O caso chama a atenção por envolver dano moral praticado na fase pós-contratual.
A autora relatou que pediu demissão em 23/12/2021, tendo comparecido à empresa no dia 4/1/2022 para receber o acerto, como determinado pelo próprio empregador. Assim que entrou no recinto, foi agredida com “um chute na boca” desferido pela gerente. Em defesa, o empregador não negou o incidente, mas sustentou que o entrevero entre as duas mulheres não teve relação com o trabalho. Argumentou ainda que os fatos ocorreram após a ruptura contratual.
Ao analisar o processo, o juiz Lenício Lemos Pimentel, titular da 2ª Vara do Trabalho de Governador Valadares, explicou que, mesmo na fase pós-contratual, as partes devem observar os ditames da boa-fé objetiva, nos termos do artigo 422 do Código Civil, com aplicação subsidiária (artigo 8º, parágrafo 1º, da CLT). Para o magistrado, houve, no caso, violação após a extinção do contrato de trabalho capaz de ensejar o dever de indenizar pelo empregador.
Boletim de ocorrência, fotos e depoimentos de testemunhas convenceram o juiz de que a gerente agrediu a trabalhadora de forma totalmente desproporcional. A gerente declarou à autoridade policial que a agressão se deu porque a colega estava “falando mal dela”. Por sua vez, em depoimento, acrescentou que estaria apenas “devolvendo” uma agressão, o que, no entanto, sequer foi comprovado.
Na visão do juiz, nada justifica o comportamento adotado. “Revidar suposta ofensa moral com agressão física desproporcional não é a conduta adequada de um representante da empresa diante de qualquer pessoa que compareça no estabelecimento, ainda mais em face de ex-colega de trabalho”, ponderou. A decisão destacou, inclusive, constituir crime a prática de tentar fazer “justiça com as próprias mãos”, nos termos do artigo 345 do Código Penal. “Os policiais e os tribunais existem para apartar tais querelas”, registrou.
Foram aplicados ao caso os artigos 932 e 933 do Código Civil, pelos quais o empregador é responsável por reparar os danos causados pelos empregados e preposto, no exercício das funções ou em razão delas. O magistrado reconheceu o dano moral “in re ipsa”, que não precisa ser comprovado por decorrer naturalmente do fato ofensivo.
“O abuso do poder empregatício protagonizado, de forma dolosa, por parte da gerente da empresa, e as consequências daí advindas, tal como o constrangimento, a humilhação e a desonra da autora perante a comunidade de empregados e de clientes levam à presunção de que a vítima sofreu prejuízos de ordem imaterial, malferindo, em última análise, os fundamentos republicanos da dignidade da pessoa humana e do valor social deferível ao trabalho (art. 1º, III e IV, da CRFB)”, explicou na decisão.
Ao concluir que o ex-empregador deve indenizar a autora, a decisão se reportou ainda ao artigo 5º, incisos V e X, da Constituição da República e em outros dispositivos do Código Civil. A indenização foi arbitrada em R$ 15 mil, levando-se em conta a capacidade econômica do ex-empregador. Para o magistrado, o valor em questão é “justo e razoável, já que não representará enriquecimento ilícito da vítima (artigo 884 do Código Civil), bem como estimulará a acionada a adotar métodos tendentes a prevenir os fatos ilícitos ora revelados”.
A decisão foi confirmada em grau de recurso pelos julgadores da Quarta Turma do TRT-MG. O processo já foi arquivado definitivamente.