A reclamada alegou que não sabia que o reclamante era dependente químico e que a justa causa foi aplicada porque ele abandonou o emprego. Mas a tese não convenceu a julgadora. Aplicando o princípio da continuidade da relação de emprego, ela explicou que o empregador deve provar de forma inequívoca que o término do contrato se deu por iniciativa do empregado ou em razão de falta grave por ele cometida. No caso do processo, a ré não conseguiu provar a falta grave. É que o reclamante não chegou a faltar ao emprego por 30 dias corridos, nem demonstrou intenção de deixar o emprego. Como observou a magistrada, a própria reclamada admitiu que o reclamante compareceu poucos dias antes da dispensa para dizer que estava com problemas particulares, sem previsão de retorno ao trabalho. Isso demonstra que ele não tinha a intenção de deixar o emprego. Por essa razão, a juíza sentenciante decidiu declarar nula a justa causa aplicada.
Após analisar as provas com a cautela que o caso merece, a magistrada se convenceu ainda de que a dispensa foi discriminatória. Ela constatou facilmente, pela aparência do reclamante na audiência, que se tratava de um dependente químico. ‘Dos atestados médicos juntados, depreende-se que o autor é viciado em substância psicoativa, o que, registro, é visível aos olhos de qualquer pessoa leiga de bom senso’, fez constar na sentença. Para a juíza, ficou evidente que as faltas ao trabalho tinham relação direta com o vício. Prova em sentido contrário deveria ter sido apresentada pela empresa, mas não foi. A total frieza e indiferença demonstradas pela reclamada na audiência de instrução, diante da triste situação do reclamante, também chamaram a atenção da magistrada. Uma atitude que ela classificou como reprovável e lamentável. A conduta revelou uma discriminação velada. ‘Uma das piores formas de discriminação é a indiferença’, registrou.
Para a julgadora, a empregadora não poderia simplesmente descartar o trabalhador do seu empreendimento, ignorando seu estado de saúde. Ao agir assim, deixou de cumprir sua função social. ‘A reclamada simplesmente fechou os olhos à realidade de seu empregado e o lançou à própria sorte, esquecendo-se de que toda e qualquer empresa deve observância ao princípio da função social, segundo o qual a empresa não é apenas fonte de lucro, mas também fonte de práticas sociais que favoreçam o meio no qual está inserida’, frisou.
A magistrada também relembrou que, infelizmente, as discriminações veladas são uma realidade nas relações de trabalho. Dentre suas vítimas, destacou os portadores de HIV, os portadores de deficiência e aqueles que, de alguma forma, tiveram sua força de trabalho diminuída por alguma doença ou patologia. Nesse último grupo, incluiu os conhecidos ‘viciados em drogas’. A juíza sentenciante registrou que a discriminação persiste porque ainda prevalece a ideia, ou preconceito, de que o viciado apresenta um desvio de caráter. Mas isso vem mudando, segundo ela, e, aos poucos, a questão passa a ser tratada como a doença que de fato é, um problema de saúde pública. A julgadora ponderou que se se tratasse, simplesmente, de ‘desvio de caráter’ o Estado não teria excluído a pena privativa de liberdade para os usuários de drogas.
‘Considerada a ordem constitucional vigente – que consagra o ser humano como o principal destinatário da ordem jurídica, impõe-se a adoção – por parte de todos o integrantes da coletividade – de toda e qualquer medida capaz de impedir que um ser humano acresça a escória da humanidade. Neste intuito, o papel das empresas é de extrema relevância, porque é fácil vislumbrar que, estando desempregado, o dependente químico tem maior probabilidade de ceder ao vício, lançando-se às margens da cidadania’, registrou a juíza.
Por fim, a magistrada frisou que a vida e a integridade física são os bens supremos das pessoas. Por isso, a responsabilidade da empresa em relação ao usuário de crack, caso do processo, é objetiva, ou seja, pouco importa que a reclamada soubesse ou não do vício do empregado. E fez uma analogia: ‘Assim como a empregada gestante tem estabilidade no emprego desde a concepção até 05 meses após o parto, independentemente de o empregador ter ou não conhecimento da gravidez – tudo em prol da proteção à vida, também o empregado viciado em crack possui o direito de não ter seu contrato de trabalho extinto durante todo o período que se fizer necessário para a sua recuperação’.
Com esses fundamentos, a sentença determinou a reintegração do reclamante, em função compatível com sua atual condição, e, após a reintegração, o encaminhamento ao INSS para o devido tratamento. A empresa não recorreu da decisão.”
Processo nº 00351-2011-074-03-00-1.
Fonte: Tribunal Regional do Trabalho da 3a Região.
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Marcos Henrique Mendanha
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