Prezados leitores.
Assim diz a Constituição Federal, em seu Art. 7o, inciso XXIII:
“São direitos dos trabalhadores urbanos e rurais, além de outros que visem à melhoria de sua condição social: (XXIII) adicional de remuneração para as atividades penosas, insalubres ou perigosas, na forma da lei.”
Com base nesse texto, a Lei 6.514 / 77, em texto que compõe o Art. 190 da CLT, assim coloca:
“O Ministério do Trabalho aprovará o quadro das atividades e operações insalubres e adotará normas sobre os critérios de caracterização da insalubridade, os limites de tolerância aos agentes agressivos, meios de proteção e o tempo máximo de exposição do empregado a esses agentes.”
Por sua vez, ao editar a Norma Regulamentadora n. 15 (NR-15), através da Portaria MTE 3.214 / 78 (e alterações posteriores), o Ministério do Trabalho e Emprego (momenclatura atual desse órgão) definiu os seguintes agentes como geradores de insalubridade:
1) ruído contínuo;
2) ruído de impacto;
3) calor;
4) radiação ionizante (atualmente estudada como agente periculoso – e não insalubre – por força da Portaria MTE 3.393 / 87 combinada com Portaria MTE 512 / 03);
5) condições hiperbáricas;
6) radiação não ionizante;
7) vibrações;
8) umidade;
9) frio;
10) agentes químicos (sólidos, líquidos e gasosos);
11) agentes biológicos.
Em todos os casos, não basta a presença de tais agentes para se falar em insalubridade. É necessário que se estabeleçam os critérios que definem o ambiente como insalubre, definidos conforme a própria NR-15.
Outra questão a ser ponderada: não basta haver um ambiente insalubre para que o trabalhador faça jus, por exemplo, ao adicional de insalubridade. Caso haja algum equipamento de proteção individual que seja capaz de neutralizar a insalubridade vinda desse ambiente, o adicional de insalubridade não deverá ser pago ao empregado, como nos ensina o Art. 191, inciso II, da CLT:
“A eliminação ou a neutralização da insalubridade ocorrerá: (II) com a utilização de equipamentos de proteção individual ao trabalhador, que diminuam a intensidade do agente agressivo a limites de tolerância.”
Mas o que é insalubre? Conforme o Dicionário Aurélio, insalubre é o que origina doença. É, no mínimo, estranho: nossa Constituição Federal diz que aquele que trabalha em um ambiente insalubre (que origina doença) tem direito a receber um adicional financeiro por isso, pago mensalmente. Em outras palavras, o que se verifica é que a nossa lei maior ampara a venda parcelada da saúde de milhares de trabalhadores brasileiros expostos à insalubridade. É a triste literalidade do versículo bíblico que diz que “o dinheiro é a raiz de todos os males”, nesse particular, entendido como doenças.
O nível de anacronismo é tanto, que quando as entidades que “defendem” os interesses dos trabalhadores brigam pelo assunto insalubridade, não é para que se extinga o trabalho insalubre. Não! Ao contrário, o que se busca normalmente é o aumento do adicional de insalubridade. É como se dissessem: “concordamos em vender a saúde de nossos trabalhadores, desde que isso seja feito a um preço melhor”. Quanta loucura.
Em regra, o adicional de insalubridade não gera direito adquirido. Ou seja, mesmo após ter trabalhado em um ambiente insalubre e sem EPI adequado por 10 anos, um empregado poderá perder o adicional de insalubridade caso a empresa torne o ambiente salubre, por exemplo, com a compra de novos maquinários. Mas se o patrão dissesse: “trago-lhe uma ótima notícia… nossa empresa não o adoecerá mais, tanto é que nem precisarei lhe pagar mais o adicional de insalubridade”, qual seria a reação desse empregado? Certamente, a pior possível. Cômico, se não fosse trágico.
Em países que defendem verdadeiramente a integridade de seus trabalhadores, a regra é diferente: é proibido o trabalho em ambientes insalubres e sem EPIs que neutralizem os riscos que geram doenças. Simples assim. Além disso, tudo que gerar risco e não puder ser neutralizado por EPI, a bem da verdade, não é insalubre, e sim periculoso. Infelizmente, algumas profissões fundamentais para humanidade só existem em conjunto com agentes periculosos. Disso, infelizmente ainda não foi possível fugir.
Falando nisso, por que os explosivos são considerados agentes periculosos? Pois o perigo não está na “convivência contínua” com os explosivos, e sim numa eventual explosão. Não há EPI que defenda um trabalhador no momento de uma explosão.
Por analogia, falemos, por exemplo, do agente biológico, atualmente enquadrado como agente insalubre. Um profissional de saúde pode conviver com vários doentes, sem nunca ter sido infectado por nenhuma doença. No entanto, pela natureza microscópica dos agentes, não há como neutralizar 100% dos agentes mediante uso de EPIs. Exemplificando: por melhores que sejam as máscaras, nunca eliminaremos o ar como um meio de propagação potencial de doenças dentro dos serviços de saúde. Outro exemplo: qual seria o EPI aplicável ao ambiente hospitalar, e que ofereça completa proteção aos acidentes com perfurocortantes? Também não dispomos dele ainda.
Assim, no caso dos agentes biológicos, o problema não está na “convivência contínua” com os pacientes por parte dos profissionais de saúde, e sim numa eventual contaminação dentro do ambiente trabalho. Por esse motivo, na minha opinião, agentes biológicos estão muito mais para agentes periculosos, do que para agentes insalubres.
Poderíamos incluir na mesma situação, embora de forma discutível: ruído de impacto, e condições hiperbáricas.
Numa lógica inversa, vejamos o caso da radiação ionizante. Estatisticamente, a maior probabilidade de adecimento provocada por esse agente advém da exposição contínua e desprotegida, e não por acidente envolvendo radiação ionizante. Por isso, esse agente é originalmente considerado como insalubre (para mim, de forma correta). Sua transformação para agente periculoso ocorreu na época do acidente de Goiânia/GO com o Césio-137. A repercussão foi tamanha que esse agente mereceu ser “promovido” para o capítulo da periculosidade, cujo adicional de remuneração é pago sobre o salário base (e não sobre o salário mínimo, como ocorre na insalubridade), o que o torna mais desejável.
Enfim, numa época em que o MTE estabeleceu como prioridade a reestruturação da NR-15, deixo registrado alguns de meus devaneios sobre o tema. Fiquem à vontade para opinar.
Que Deus nos abençoe.
Marcos Henrique Mendanha