O artigo 12 da Resolução 1.488 / 98 assim nos traz: “o médico de empresa, o médico responsável por qualquer Programa de Controle de Saúde Ocupacional de Empresa e o médico participante do Serviço Especializado em Segurança e Medicina do Trabalho, não podem ser peritos judiciais, securitários ou previdenciários, ou assistentes técnicos da empresa, nos casos que envolvam a firma contratante e/ou seus assistidos (atuais ou passados)”.
No entanto, o Código de Processo Civil, em seu artigo 422, assim coloca: “os assistentes técnicos são de confiança da parte, não sujeitos a impedimento ou suspeição.” Tal redação foi dada pela Lei 8.455 / 92.
Verifica-se aqui, o que no estudo do Direito recebe o nome de antinomia, ou seja, a presença de duas normas conflitantes, gerando dúvidas sobre qual delas deverá ser aplicada ao caso singular. Para solucionar esse conflito de normas, a doutrina jurídica apresenta algumas alternativas: (a) critério hierárquico (norma superior revoga a inferior); (b) critério da especialidade (norma especial revoga norma geral), (c) critério cronológico (norma posterior revoga norma anterior). Juridicamente (e não administrativamente, em nível de sindicâncias nos CRMs), no caso em tela, a Lei 8.455 / 92 goza de uma posição hierárquica privilegiada frente à Resolução 1.488 / 98 do CFM, uma vez que se classifica como Lei Ordinária, enquanto a última, como Ato Administrativo de um ente da administração pública indireta (Conselho Federal de Medicina, uma autarquia).
É sabido, entretanto, que os CRMs (Conselhos Regionais de Medicina), balizados pelas Resoluções do CFM, possuem a prerrogativa de penalizar os médicos pelas infrações éticas eventualmente cometidas. Sendo assim, não obstante a maior força jurídica hierárquica da Lei 8.455 / 92 frente às Resoluções do CFM, para efeito administrativo, muitos Médicos do Trabalho ainda tem sido penalizados em seus conselhos por atuarem como assistentes técnicos de empresas para as quais prestam/prestaram serviços, com base na Resolução 1488 / 98. Na óptica jurídica, tal atitude dos conselhos, é ilegal, se não vejamos:
“Normas inferiores não podem inovar ou contrariar normas superiores, mas unicamente complementá-las e explicá-las, sob pena de exceder suas competências materiais, incorrendo em ilegalidade.” (Supremo Tribunal Federal – Ação Direta de Inconstitucionalidade 2.398. Relator: Min. Cezar Peluso, julgado em 25/06/07)
A manutenção desta visão condenatória por parte dos CRMs, deixa os próprios conselhos muito vulneráveis a indenizações por danos morais, pleiteadas juridicamente pelos próprios Médicos do Trabalho já penalizados. Tanto assim que, por ordem judicial, o artigo 12 da Resolução 1.488 / 98 já não tem aplicação para várias empresas (ex.: Funasa, Copel, Transpetro e Codesa).
Todavia, a interpretação coerente dos artigos 93 e 94 do novo Código de Ética Médica, parece esclarecer definitivamente tal questão, dando mais autonomia aos Médicos do Trabalho, e protegendo assim os próprios conselhos de indenizações indevidas, se não vejamos:
· Art. 93: é vedado ao médico ser perito ou auditor do próprio paciente, de pessoa de sua família ou de qualquer outra com a qual tenha relações capazes de influir em seu trabalho ou de empresa em que atue ou tenha atuado (excluiu a figura do assistente técnico para atuação junto às empresas – grifo nosso).
· Art. 94: é vedado ao médico intervir, quando em função de auditor, assistente técnico ou perito, nos atos profissionais de outro médico, ou fazer qualquer apreciação em presença do examinado, reservando suas observações para o relatório (não excluiu a figura do assistente técnico, mostrando que não houve omissão ou esquecimento na redação do artigo 93 – grifo nosso).
Importante ressaltar que o novo Código de Ética Médica, em seu artigo 3o, revoga todas as disposições contrárias ao próprio código, o que, segundo nosso entendimento, também inclui o artigo 12 da Resolução 1.488 / 98.
Concluindo: à luz de toda legislação vigente, incluindo o novo Código de Ética Médica, o Médico do Trabalho pode sim atuar como assistente técnico para empresa na qual presta/prestou serviços, valendo-se para aceitação do nobre encargo, apenas dos ditames de sua consciência. No entanto, nosso entendimento está firmado no sentido de que, apesar da permissividade legal constatada, tal mister deve ser elegantemente recusado para que não se coloque em risco a credibilidade e necessária imparcialidade que o Médico do Trabalho deve ter, tanto perante aos gestores da empresa, quanto perante aos próprios empregados.
Um forte abraço a todos!
Marcos H. Mendanha
Twitter: @marcoshmendanha