Os supervisores compreendiam. Eles sabiam por que Marcy Sherman-Lewis, funcionária do serviço de atendimento a clientes, faltava alguns dias: seus pais, que moravam a uma hora dali, tinham mal de Alzheimer.
“Minha mãe tinha consultas médicas, meu pai também. Eu vivia para cima e para baixo na estrada”, disse Marcy, filha única.
Quando acabaram as férias, licenças médicas e folgas, no entanto, os chefes se recusaram a dar tempo adicional longe do emprego. “Eu sabia que eles me queriam mais tempo no escritório. Eles perguntaram: ‘Quais são seus planos? O que você vai fazer? Colocá-los em uma casa de repouso?'”
O plano: Marcy se demitiu em 2007 para que ela e o marido, engenheiro aposentado, pudessem se mudar de Overland Park, em Kansas, EUA, para a cidade dos seus pais, St. Joseph, Missouri. “Eu sabia que poderia achar um emprego, e achei. No começo, funcionou perfeitamente.”
Porém, o mal de Alzheimer só avança em uma direção. Marcy recebia ligações no escritório. Os pais misturavam os remédios. O pai estava cada vez mais descontrolado. A mãe, passando a mão pelo fogão, queimou o braço.
Não foi uma queimadura muito grave, “mas isso me apavorou”, disse Marcy. A filha deixou o emprego novamente em 2009, possivelmente para sempre. Embora os pais tenham morrido, o marido de 77 anos recebeu o diagnóstico de alzheimer há um ano e exige sua atenção em tempo integral.
Com 60 anos recém-completados, ela não lamenta as decisões, mas se pergunta se um dia voltará a trabalhar. A licença-família remunerada, agora obrigatória em três Estados dos EUA e que, provavelmente, será apreciada em várias Assembleias Legislativas no ano que vem, poderia ter ampliado sua carreira.
No Brasil, os servidores públicos possuem o benefício da licença por motivo de doença em pessoa família mais próxima. No primeiro mês, os vencimentos não sofrem corte, e, em geral, há uma redução progressiva do salário, chegando até a licença não remunerada.
Podem ser acompanhados o(a) cônjuge ou companheiro(a), os pais, filhos ou enteados, padrasto, madrasta ou dependente, se atestada a necessidade por perícia médica.
Os trabalhadores do setor privado ainda não se beneficiam de uma previsão legal nesse sentido. Tramitam na Câmara e no Senado projetos que buscam a equiparação dos celetistas aos servidores públicos. Se for necessária, a licença deve ser negociada.
LICENÇAS
Estima-se que cerca de 34 milhões de americanos cuidaram de alguém com mais de 50 anos em 2014, e que a maioria estava empregada, segundo o estudo mais recente a esse respeito.
Esses trabalhadores precisam fazer um malabarismo particularmente complicado. Cuidar dos filhos, para quem tem a felicidade de contar com filhos saudáveis, torna-se razoavelmente previsível ao longo do tempo, tirando as inevitáveis infecções de ouvido e doenças passageiras.
Já cuidar de idosos, no entanto, exige uma reviravolta que muda a vida sem avisos: a queda incapacitante, o acidente vascular grave. A necessidade de assistência de uma pessoa idosa costuma aumentar em função das vidas mais longas; trabalhadores cuidarão mais tempo dos pais e de forma mais intensiva do que no caso dos filhos.
Além disso, o impacto emocional é diferente, segundo Kenneth Matos, diretor de pesquisa do Families and Work Institute.
“Quem cria uma criança passa por eventos felizes e tem maior independência. Quem cuida de um idoso passa por experiências tristes.”
LEGISLAÇÃO
A lei federal que trata da licença médica e familiar ajuda alguns cuidadores que trabalham “” por exemplo, protegendo seus empregos “”, mas a lei tem limitações. Ela atende somente 60% da população ativa (à exceção de empresas com menos de 50 funcionários) e somente quem cuida do cônjuge, pai ou filho –não inclui parentes por afinidade nem avós. E, é claro, não é remunerada.
Em Nova York, a lei aprovada pela Assembleia Legislativa, prevê até 12 semanas de licença paga por ano para trabalhadores de meio período ou integral para cuidar de um recém-nascido, criança recém-adotada ou familiar com “problema de saúde grave”, mas o governador Andrew M. Cuomo não se comprometeu a sancioná-la.
Organizações empresariais levantaram objeções, embora um estudo da lei californiana, que prevê seis semanas de licença, tenha constatado efeito mínimo sobre os empregadores.
Outros Estados, incluindo Connecticut, devem avaliar legislação similar no ano que vem, em conjunto com a capital americana. Parlamanteres democratas apresentaram recentemente um projeto de lei que ficou conhecido como a “Lei da Família”.
PERDA DE RENDA
Entre os trabalhadores que cuidam de adultos com mais de 50 anos, metade informou alguma influência deletéria no serviço, informam a associação dos aposentados e a National Alliance for Caregiving.
Dessas pessoas, 14% faltaram formalmente; 13% reduziram as horas ou encontraram empregos menos exigentes; 4% se aposentaram antes do planejado e 6% deixaram de trabalhar para ficar com os parentes.
As consequências financeiras –a perda da renda atual e da futura– pode se revelar especialmente problemática para mulheres, que, em média, ganham menos e, comumente, são as cuidadoras. “Para me sustentar, usei toda a minha poupança da aposentadoria”, disse Marcy Sherman-Lewis. Após anos desempregada, ela também enfrenta uma redução nos benefícios da Previdência Social.
A licença remunerada não vai resolver todos os dilemas dos cuidadores, é claro. Isso talvez funcione melhor durante os meses e anos em que eles ajudam os pais a se recuperarem de cirurgias no quadril, transportá-los a consultas ou colaborar fazendo compras e cozinhando.
O pai de Maryann Manelski, por sua vez, ficou cada vez mais incapacitado pelo parkinson. “Ele precisava tomar remédios várias vezes ao dia”, disse a cineasta nova-iorquina de 47 anos.
“Precisávamos trocar o lençol todo dia. E foi assim durante anos.” Ela defende o projeto de lei em Nova York, mas 12 semanas de licença remunerada anual não teriam salvado todos os anos que ela passou cuidando dele. Porém, talvez a cineasta tivesse podido trabalhar mais tempo.
Fonte: Folha de S. Paulo.
Título Original: Quem cuida de parentes com alzheimer tem carreira prejudicada.