13 mar 2016

As nefastas consequências de um acidente de trabalho

postado em: Medicina do Trabalho

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Há exato um ano da explosão na plataforma Cidade de São Mateus, vítimas e familiares ainda vivem a dor da tragédia, uma das maiores no setor de petróleo e gás do país. A explosão, no litoral de Aracruz, não só matou nove pessoas, mas também exterminou sonhos. Tanto quem sobreviveu ao fatídico dia quanto familiares das vítimas acusam as empresas responsáveis pela embarcação, BW Offshore e Petrobras, de abandono e de negligência. Eles revelam que sem assistência não tem sido fácil recomeçar.

“A superação não existe. A revolta pela forma que meu filho morreu não deixa o sofrimento ser amenizado. Não dá para dizer que aquilo foi acidente. A Polícia Federal (PF) mesmo mostrou que foi um homicídio”, desabafa Renato Rodrigues Junior, de 51 anos, pai de João Victor de Souza Rodrigues que teria 23 anos hoje.

O jovem, que trabalhou até fora do país, havia sido contratado pela BW apenas quatro meses antes do acidente para o cargo de técnico em mecânica. Ainda que estivesse há pouco tempo no novo emprego, o rapaz, que cursava faculdade, tinha a expectativa de crescer na profissão e de ocupar uma função melhor.

Renato, que mora na capital do Rio de Janeiro, conta que, ao receber a notícia da explosão, veio logo para Vitória a fim de levar o filho para a casa. “Quando o primeiro barco com os funcionários chegou, ele não estava lá. Depois, veio o segundo. E só na chegada do terceiro barco fui informado que ele era um dos desaparecidos. A angústia, um misto de esperança de encontrá-lo vivo e a sensação de perda, demorou 18 dias até que o corpo foi achado”, relata Renato, ao dizer que só teve apoio das corporações por apenas um mês. Ele deve entrar, em breve, na Justiça para pleitear uma indenização. “Não é possível reparar minha perda, porém, a indenização é a única forma de punir as empresas”.

As marcas profundas afetam não só os familiares dos mortos e os 26 feridos gravemente, mas também aquelas pessoas que saíram dali apenas com arranhões ou mesmo ilesas.

Com o lado emocional ainda abalado, muitos dos 74 trabalhadores que estavam embarcados no navio estão com dificuldades de falar sobre o assunto. Alguns não conseguiram até hoje retomar o trabalho. Outros pensam em mudar de profissão para tentar fugir das lembranças. “Eu prefiro não falar dessa situação. Foi muito doloroso para mim. Continuei embarcando no navio até novembro para cumprir contratos, mas não pretendo permanecer nesse ramo”, disse um trabalhador, que preferiu não se identificar.

Assim como ele, boa parte dos sobreviventes e dos familiares afirma não ter recebido tratamentos psicológico nem psiquiátrico para superar o terror. “Participei de 12 sessões, mais nada que isso. Com certeza precisava de acompanhamento. Meu psicólogo e eu solicitamos a continuidade do tratamento. Mas até agora não tive respostas”, acrescenta.

A falta de amparo é confirmada pelo coordenador-geral do Sindicato dos Petroleiros (Sindipetro-ES), Paulo Rony, ao dizer que a política de segurança, meio ambiente e saúde (SMS) das petroleiras é deficiente.

A mãe de um dos trabalhadores feridos, que também preferiu não relevar o nome, reconhece que, de tão impressionado com a tragédia, o filho não conversa sobre o acidente. “Ele tem ido ao médico pelo plano de saúde. Porém, o trauma o impede de falar qualquer coisa sobre a explosão. A única coisa que posso fazer por ele é orar”.

A memória do acidente é inapagável, segundo outro trabalhador que presenciou tudo. Ele estava no vestiário trocando de roupa antes de ir almoçar, sem equipamentos de segurança, quando ouviu o estrondo e viu parte das instalações desmoronar. “O teto caiu. Dei a mão a um colega meu, que trabalhava no navio há pouco tempo, e nos tirei daquele local. No caminho, vi pessoas feridas, sangrando, e três colegas mortos. Eles estavam no ponto de encontro, local onde todos deveriam ir num momento de urgência”, relembra um dos trabalhadores que também culpa as empresas de abandono.

Desde o acidente, ele, que se manteve no anonimato por medo de retaliações, nunca mais voltou ao trabalho e tem receio de não ser mais capaz de atuar na mesma profissão. “Foi um caos. As pessoas estavam perturbadas. Algumas queriam até se jogar na água. Não sei como vou me comportar ao retornar para o mar”, explica o trabalhador que até hoje não ganhou indenização e não teve direito a acompanhamento psicológico.

O drama poderia ter sido evitado, segundo o ex-funcionário da BW, Vitor Marques da Silva. Ele, que trabalhou como técnico em mecânica e também era membro da Cipa, diz que um ano antes, gerentes em terra e no mar foram avisados sobre o vazamento de condensado, o principal fator da explosão.

Nos meses que antecederam o desastre, ele foi transferido para outra plataforma. “Isso foi irregular, pois eu era cipista. Não poderia ter saído. Com certeza foi por causa das minhas investigações sobre as irregularidades trabalhistas”, afirma Vitor. Ele foi demitido pela BW em outubro de 2015 e briga contra a empresa na Justiça.

Em nota, a Petrobras disse que o relacionamento com os trabalhadores é uma tarefa da BW, companhia afretadora do navio. A estatal destacou, ainda, acompanhar a assistência prestada às famílias e às vítimas, por meio de reuniões. A BW foi procurada, no entanto, não respondeu aos questionamentos da reportagem.

Unidade só deve voltar à operação em 2018

Passados 12 meses do acidente com a plataforma Cidade de São Mateus, a embarcação continua parada no Litoral Norte capixaba, no mesmo local onde aconteceu a explosão. Desde a tragédia, o navio teve suas atividades interrompidas e, portanto, está sem produzir.

Aliás, essa é a condição que deve perdurar até 2018, data solicitada pela Petrobras à Agência Nacional do Petróleo (ANP) para retomar a produção nos campos de Camarupim e Camarupim Norte. O pedido feito pela estatal ainda está sob análise do órgão regulador.

Apesar de não confirmar à reportagem que a paralisação do FPSO somará três anos, a Petrobras justificou que “trabalha com o cenário de retorno da plataforma após a conclusão dos reparos a serem realizados em estaleiro selecionado pela empresa afretadora (BW Offshore), a depender do cronograma de reparos”.

A companhia esclareceu, ainda, que foi concluído o processo final de desancoragem do FPSO e que a plataforma aguarda vistorias dos órgãos fiscalizadores antes de ser liberada para ajustes.

Questionada sobre o tempo para conserto, data de saída do Espírito Santo, custos do reparo e o estaleiro que vai receber a embarcação, a BW não respondeu às questões até o fechamento desta edição. Mas em 18 de janeiro, a multinacional havia informado que a unidade estava em processo de preparação para ser rebocada para Singapura.
A decisão da norueguesa de enviar para o exterior a plataforma revoltou o Sindicato dos Petroleiros no Espírito Santo. O coordenador-geral da entidade, Paulo Rony, defende que os reparos deveriam ser feitos no Estaleiro Jurong, em Aracruz, ou pelo menos em algum estaleiro no Brasil. “É um equívoco. O ônus das mortes e dos feridos e a queda na produção. Tudo isso fica com os capixabas. Mas aí na hora de criar oportunidades isso é feito lá fora?, critica o sindicalista.

A paralisação do FPSO poderá render prejuízos superiores a R$ 160 milhões para os cofres capixabas. Segundo cálculos divulgados pelo governo do Estado, na época do acidente, a queda na arrecadação seria de R$ 4,5 milhões por mês de royalties e ICMS.

Petroleiros: homenagens e reivindicações

Para lembrar o pior acidente da história do Espírito Santo no setor de óleo e gás, homenagear as vítimas da tragédia e para cobrar mais segurança nas atividades do segmento, o Sindicato dos Petroleiros (Sindipetro-ES) faz hoje um ato em frente ao prédio da Petrobras, na Reta da Penha, e também na área de embarque para as plataformas, no Aeroporto de Vitória.

O objetivo do movimento é, segundo o coordenador-geral, Paulo Rony, e o diretor do sindicato, Davidson Lomba, chamar a atenção para a urgência na adoção de ações que evitem novos acidentes. “Cada vez mais a nossa tolerância com a insegurança é zero. Desde o acidente, não vimos nada avançar para melhorar as condições de trabalho. O que a Petrobras precisa entender é que a segurança é inegociável”, defende Lomba.

Rony reclama, ainda, das dificuldades de acesso a informações e a plataformas da Petrobras para que as atividades sejam fiscalizadas. A estatal, entretanto, diz que “o Sindipetro indica representante para acompanhamento de todas as Cipas, podendo participar de todas as reuniões e tendo acesso a todos os dados produzidos por elas”.

Fonte: Gazeta Online.

Título Original: Vítimas de explosão em plataforma se queixam de abandono um ano após tragédia

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